29/7/2008
Remessas de lucros já superam investimentos
As remessas de lucros e dividendos tiveram em junho mais um mês de desempenho acima das expectativas e encerraram o primeiro semestre de 2008 com um montante superior aos ingressos de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED). As remessas das filiais brasileiras para as matrizes no exterior atingiram o recorde de US$ 18,99 bilhões, quase o dobro do valor de igual período de 2007. Enquanto isso, os investimentos estrangeiros somaram US$ 16,70 bilhões. A reportagem é de Fabio Graner e Fernando Nakagawa e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 29-07-2008.
No primeiro semestre de 2007, a situação era diferente: o investimento superava as remessas, com folga. De janeiro a junho do ano passado, o IED de US$ 20,85 bilhões foi mais que duas vezes superior às remessas. Mesmo se forem descontados os cerca de US$ 7 bilhões atípicos em junho de 2007, relativos à fusão das siderúrgicas Arcelor e Mittal e à venda da Serasa, o IED dos seis primeiros meses de 2007 ainda superaria os US$ 9,81 bilhões de remessas de lucros e dividendos.
O chefe do Departamento Econômico (Depec) do Banco Central (BC), Altamir Lopes, explicou que as remessas sobem por causa da combinação de maior lucratividade das empresas, câmbio valorizado e problemas das empresas em suas matrizes, que estimulam remessas maiores das filiais mais lucrativas. Ele disse esperar alguma “acomodação” desse envio de recursos nos próximos meses, pois as multinacionais tradicionalmente remetem mais lucros no primeiro semestre.
Altamir destacou que a maior fatia das remessas e lucros no resultado das contas externas mostra uma mudança estrutural no balanço de pagamentos brasileiro. Para ele, a mudança é positiva. “Lucro só se remete quando tem lucro”.
A economista da consultoria LCA Adriana Dupita destacou que, além dos fatores mencionados por Altamir, as remessas de lucros refletem a maior internacionalização da economia brasileira. Para ela, a tendência é que o ritmo de remessas se desacelere a partir deste semestre. Ela prevê neste ano saídas de US$ 34 bilhões e, em 2009, de US$ 26,8 bilhões.
Dados do BC mostram que entre os setores que mais remetem lucros estão os que enfrentam dificuldades em seus países de origem. É o caso do automotivo e de serviços financeiros, com, respectivamente, US$ 2,76 bilhões e US$ 2,40 bilhões no 1º semestre de 2008.
Dois países que têm sido mais atingidos pela crise financeira encabeçam a lista dos principais destinos das remessas: Estados Unidos e Espanha.
Juros elevados atraem capital de curto prazo
A elevação dos juros no Brasil, que deve prosseguir nos próximos meses, voltou a atrair massivamente capitais estrangeiros de curto prazo. Em julho, a três dias do fim do mês, já ingressaram US$ 3,227 bilhões dirigidos a aplicações de renda fixa, sobretudo a compra de títulos públicos, segundo dados do Banco Central. É mais do que três vezes os valores observados em junho. A reportagem é de Alex Ribeiro e publicada pelo jornal Valor, 29-07-2008.
Para o BC, essa revoada é, em boa parte, fruto da realocação de carteiras - os investidores resgataram recursos aplicados em ações no país (US$ 3,495 bilhões) para aplicá-los em renda fixa.
Juros altos: 'Eles vêm para cá e fazem uma farra. Essa trajetória não é sustentável', avalia economista
O professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP) Simão David Silber está pessimista com a velocidade de deterioração das contas externas brasileiras. “No curto prazo, é financiável, mas tenho dúvidas daqui a dois ou três anos”, afirmou ao Estado. A reportagem e a entrevista é de Leandro Modé e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 29-07-2008.
Eis a entrevista.
O déficit em conta corrente preocupa?
Claro. O problema não é ter déficit, mas a trajetória é fulminante. Nos primeiros seis meses do ano passado, houve superávit de US$ 2,4 bilhões. Isso foi substituído por um déficit de US$ 17,4 bilhões. É um mergulho no precipício. O governo diz que não é problema por causa do que entrou no País como investimento estrangeiro direto: US$ 16 bilhões no semestre. Mas esse cálculo é meio maroto, pois as empresas brasileiras investiram no exterior US$ 8,5 bilhões. Ou seja, o saldo líquido não é US$ 16 bilhões. O que, então, tem segurado o balanço de pagamentos? O diferencial da taxa de juros brasileira com o exterior. Isso fez a conta de capital ser superavitária no semestre em US$ 40,7 bilhões. Essa trajetória, portanto, não é sustentável no longo prazo e sua forma de correção não está disponível no momento porque o governo não quer cortar gastos. Quando isso ocorre, sobra para o Banco Central o trabalho sujo de, sozinho, tentar segurar a inflação. Daí põe o juro lá em cima. Por arbitragem, entra dinheiro aqui, o que valoriza o real, piora as exportações e faz crescer muito as importações. Nos últimos 12 meses, a importação cresceu acima de 40% e a exportação, 18%. No curto prazo, há funding para financiar. Num prazo maior, 2 ou 3 anos, tenho seriíssimas dúvidas.
O fato de o País ter hoje um sistema de câmbio flutuante não ameniza essa tendência?
Esse argumento só funcionaria se o juro não fosse tão alto. Veja o que ocorre hoje: o déficit externo está aí, grandão, e mesmo assim o real continua se valorizando.
O juro alto, então, impede o funcionamento adequado do sistema de câmbio flutuante?
Na direção de uma desvalorização do real, sim. Na medida em que o BC sinalizou que manterá os juros muito altos neste ano e no ano que vem, se dá um horizonte para o aplicador. Eles vêm para cá e fazem uma farra. Em algum momento, o risco é a expectativa do aplicador mudar. Essas coisas ocorrem de uma maneira que na literatura chamamos de overshooting (sobreimpulso). Se daqui um ano, um ano e meio, o mercado financeiro se der conta de que a trajetória do real, daquele instante para frente, será de desvalorização, tentará antecipar isso mandando dinheiro para fora. Ou seja, de uma hora para a outra, vai estourar o câmbio. Não vai ser gradual. No curto prazo, o câmbio depende basicamente do mercado financeiro. O movimento financeiro é muito maior do que o comercial. Hoje, a proporção é de US$ 3 para US$ 1. O Brasil não está exportando mais. A receita de exportação só está crescendo porque o preço das commodities ainda está subindo. Se a desaceleração mundial for mais intensa, pode haver um impacto sobre os preços das commodities. Aí não tenha dúvidas: o real vai desvalorizar.
Como o sr. vê a recente queda de preço das commodities?
Para nós, o mais importante são as commodities alimentícias, que dependem muito mais da demanda da China, da Índia e de outros países em desenvolvimento. Nas últimas semanas, esse movimento de queda foi concentrado no petróleo e nas commodities metálicas. Mas as agrícolas podem cair 10%, 15%.
Isso aumentaria nosso déficit em conta corrente?
Provavelmente, sim. Se a tendência de preço for de queda, isso vai afetar nossa trajetória de câmbio. O que o governo faria nesse caso? Na minha opinião, interviria no mercado para evitar uma desvalorização acentuada do real, que colocaria mais lenha na fogueira da inflação. O câmbio, hoje, ajuda no controle da inflação.
Esses mais de US$ 200 bilhões de reservas dão ao governo boa capacidade para intervir no câmbio?
No curto prazo, sim. No longo, não faz refresco. Os estrangeiros, entre capital fixo, dinheiro em Bolsa, títulos públicos, etc, têm mais de US$ 500 bilhões aqui. Além disso, os brasileiros podem mandar dinheiro para fora. Ou seja, em um eventual pânico, poderia sair cerca de US$ 1 trilhão. US$ 200 bilhões não fazem cócegas. Não creio que isso ocorrerá, mas o fato é que não compramos o seguro definitivo.
O que seria um seguro definitivo?
Ter reservas extremamente elevadas. US$ 200 bilhões é muito bom, mas, dado o tamanho do mercado financeiro, é pouco.
terça-feira, 29 de julho de 2008
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