sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Gilmar Mauro: As laranjas da Cutrale e o show

Gilmar Mauro*

disponível em www.kaosenlared.net/noticia/as-laranjas-da-cutrale-o-show

Na região de Capivari, interior de São Paulo, quando alguém exagera,
tem uma expressão que diz: "Pare de Show!"

É patético ver alguns senadores(as) , deputados(as) e outros tantos
"ilustres" se revezarem nos microfones em defesa das laranjas da
Cutrale. Muitos destes, possivelmente, já foram beneficiados com os
"sucos" da empresa para suas campanhas, ou estão de olho para obter
"vitaminas" no próximo pleito. Mas nenhum deles levantou uma folha
para denunciar o grande grilo do complexo Monções. As laranjas, e não
poderia ser planta melhor, são a tentativa de justificar o grilo da
Cutrale e de outras empresas daquela região. Passar por cima das
laranjas é passar por cima do grilo e da corrupção que mantém esta
situação há tanto tempo.

Não é a primeira vez que ocupamos este latifúndio. Eu mesmo ajudei a
fazer a primeira ocupação na região, em 1995, para denunciar o grilo e
pedir ao Estado providências na arrecadação das terras para a Reforma
Agrária. Passados quase 10 anos, algumas áreas foram arrecadadas e
hoje são assentamentos, mas a maioria das terras continua sob o
domínio de grandes grupos econômicos. E mais, a Cutrale instalou-se lá
há 4 ou 5 anos, sabendo que as terras eram griladas e, portanto, com
claro interesse na regularização das terras a seu favor. Para tanto,
plantou laranjas! Aliás, parece ter plantado um laranjal em parte do
Congresso Nacional e nos meios de comunicação. O que não é nenhuma
novidade!

Durante a nossa marcha Campinas-São Paulo, realizada em agosto, um
acidente provocou a morte da companheira Maria Cícera, uma senhora que
estava acampada há 9 anos lutando para ter o seu pedaço de terra e
morreu sem tê-lo. Esta senhora estava acampada na região do grilo, mas
nenhum dos ilustres defensores das laranjas pediu a palavra para
denunciar a situação. Nenhum dos ilustres fez críticas para denunciar
a inoperância do Executivo ou Judiciário, em arrecadar as terras que
são da União para resolver o problema da Dona Cícera e das centenas de
famílias que lutam por um pedaço de terra naquela região, e das outras
milhares de pessoas no país.

Poucos no Congresso Nacional levantam a voz para garantir que sejam
aplicadas as leis da Constituição que falam da

Função Social da Terra:
a) Produzir na terra;
b) Respeitar a legislação ambiental e
c) Respeitar a legislação trabalhista.

Não preciso delongas para dizer que a Constituição de 1988 não foi
cumprida. E muitos falam de Estado Democrático de Direito!

Para quem? Com certeza estes vêem o artigo que defende a propriedade a
qualquer custo. Este Estado Democrático de Direito para alguns poucos
é o Estado mantenedor da propriedade, da concentração de terras e
riquezas, de repressão e criminalização para os movimentos sociais e
para a maioria do povo.

Para aqueles que se sustentam na/da "pequena política", com microfones
disponíveis em rede nacional, e acreditam que a história terminou, de
fato, encontram nestes episódios a matéria prima para o gozo pessoal
e, com isso, só explicitam a sua pobreza subjetiva. E para eles, é
certo, a história terminou. Mas para a grande maioria, que acredita
que a história continua, que o melhor da história sequer começou,
fazem da sua luta cotidiana espaço de debate e construção de uma
sociedade mais justa.

Acreditam ser possível dar função social à terra e a todos os recursos
produzidos pela sociedade. Lutam para termos uma agricultura que
produza alimentos saudáveis em benefício dos seres humanos sem
devastação ambiental. Querem e, com certeza terão, um mundo que
planeje, sob outros paradigmas que não os do lucro e da mercadoria, a
utilização das terras e dos recursos naturais para que as futuras
gerações possam, melhor do que hoje, viver em harmonia com o meio
ambiente e sem os graves problemas socias.

A grande política exige grandes homens e mulheres, não os diminutos
políticos - não no sentido do porte físico - da atualidade; a grande
política exige grandes projetos e uma subjetividade rica - não no
sentido material - que permita planejar o futuro plantando as sementes
aqui e agora. Por mais otimista que sejamos, é pouco provável
visualizar que "laranjas" possam fazer isso.

Aliás, é nas crises, é nos conflitos que se diferencia homens de
ratos, ou, laranjas de homens.

Empresário José Luiz Cutrale

Grileiro de terras da União. Detesta ser fotografado,

*Gilmar Mauro é integrante da coordenação nacional do MST.

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