quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Reflexão de Ano Novo

2009 vem aí, desejo a todos um ano novo surpreendente.

Que a conjuntura da luta de classes nos seja mais favorável no ano vindouro.

Deixo para reflexão um texto do Carlos Nelson Coutinho sobre Gramsci...

Por que Gramsci?
Disponível em www.socialismo.org.br
Escrito por Carlos Nelson Coutinho

Ao contrário do que supõem os conservadores e alguns ex-marxistas hoje “arrependidos”, o colapso do chamado “socialismo real” não significou o fim da reflexão que se inspira em Marx e na tradição marxista. Decerto, este colapso representou a crise terminal de uma específica leitura de Marx, o chamado “marxismo-leninismo”, que não passava na verdade de um hábil pseudônimo para stalinismo. Esta leitura serviu como ideologia de Estado para os regimes ditos “comunistas”, os quais, de resto, nada mais tinham a ver com as promessas de emancipação humana contidas na reflexão de Marx e dos verdadeiros marxistas.

O que se pode constatar hoje, ao contrário, é que alguns autores marxistas ─ os menos comprometidos com aquela equivocada leitura ─ começaram até mesmo a ser lidos com maior atenção depois do fim do “socialismo real”, precisamente no momento em que foi suprimida a grave hipoteca do chamado “marxismo-leninismo”. Entre tais autores, cabe destacar os integrantes da Escola de Frankfurt (em particular Walter Benjamin), mas também, e sobretudo, Antonio Gramsci. Embora sejam certamente muito diferentes entre si, Benjamin e Gramsci nada têm a ver com o “marxismo-leninismo”. Benjamin era politicamente um free-lancer. Gramsci, ao contrário, foi um dos fundadores do Partido Comunista Italiano, era ligado à Internacional Comunista e considerava-se um seguidor de Lenin, mas inaugura na verdade um modo de interpretar o marxismo, diverso daquele oriundo da tradição bolchevique.

Em sua obra da maturidade, redigida nos cárceres fascistas, Gramsci elaborou alguns conceitos que renovaram profundamente a teoria marxista, particularmente em sua dimensão filosófico-política. Dois deles, em particular, merecem destaque: os conceitos dialeticamente articulados de “sociedade civil” e de “hegemonia”. Foi sobretudo graças a eles que o marxismo se tornou contemporâneo do século XX e, com toda probabilidade, também do século XXI. Gramsci percebeu que, sobretudo a partir de 1870, havia surgido uma nova esfera do ser social capitalista: o mundo das auto-organizações, do que ele chamou de “aparelhos privados de hegemonia”. São os partidos de massa, os sindicatos, as diferentes associações, os movimentos sociais etc., tudo aquilo que resulta de uma crescente “socialização da política”, ou seja, do ingresso na esfera pública de um número cada vez maior de novos sujeitos políticos individuais e coletivos.

Gramsci deu a essa nova esfera o nome de “sociedade civil”. E insistiu em que tal esfera faz parte do Estado em sentido amplo, já que nela têm lugar evidentes relações de poder. A “sociedade civil”, em Gramsci, é uma importante arena de luta de classes: a partir de seu surgimento, é sobretudo nela que as classes lutam para obter hegemonia, ou seja, direção política fundada no consenso, capacitando-se assim para a conquista e o exercício do poder governamental. A “sociedade civil” gramsciana nada tem a ver com essa coisa amorfa que hoje chamam de “terceiro setor”, pretensamente situado para além do Estado e do mercado.

Ao descobrir essa nova esfera, ao dar-lhe um nome e ao definir seu espaço, Gramsci criou uma nova teoria marxista do Estado. E é preciso sublinhar os dois adjetivos: nova, mas também marxista. A novidade introduzida por Gramsci consiste na percepção de que o Estado não é mais o simples “comitê executivo da burguesia”, como Marx e Engels afirmam no Manifesto comunista de 1848 e Lenin e os bolcheviques repetem em suas obras. Mas a permanência de Gramsci no campo do marxismo é atestada pelo fato inequívoco de que ele continua a afirmar que todo Estado é um Estado de classe. Decerto, depois do surgimento da “sociedade civil”, o modo pelo qual é exercido o poder de classe se altera: o Estado se amplia, tornando-se mais complexo. Buscar hegemonia, lutar pelo consenso, tentar legitimar-se: tudo isso significa que o Estado deve agora levar em conta outros interesses que não os restritos interesses da classe dominante. Com seus novos conceitos, Gramsci habilitou-se a entender o tipo de Estado que é próprio dos regimes liberal-democráticos, um Estado que Marx não pode conhecer e que nada tinha a ver com a autocracia czarista com a qual Lênin se confrontou. Mas isso não impediu Gramsci de continuar afirmando que, em todo Estado, por mais complexo que seja, por mais interesses que seja obrigado a levar em conta em sua atuação, permanece um “núcleo duro”, aquele que define a sua natureza como agência de dominação da classe que detém a propriedade dos meios de produção.

Essa nova definição do Estado resulta de um outro conceito central nas obras de Gramsci: aquele que distingue, no seio do capitalismo, entre formações sociais “orientais” e “ocidentais”. Para Gramsci, no que ele chama de “Oriente” (pensando sobretudo na Rússia czarista), o Estado em sentido estrito é tudo e a sociedade civil é primitiva e gelatinosa. Já no que chama de “Ocidente” (pensando aqui na Europa Central e Ocidental e nos Estados Unidos), há um equilíbrio entre as duas esferas. Foi a partir dessa distinção que Gramsci não só renovou a teoria marxista do Estado, mas também se empenhou em criar um novo paradigma de revolução socialista, adequado precisamente ao “Ocidente”, um paradigma bastante diverso daquele proposto e praticado pelos bolcheviques. Este último, em sua opinião, seria válido apenas para sociedades “orientais”, que ele praticamente reduz, já nos anos 30, ao que chama de sociedades “coloniais” ou “semicoloniais”.

Coloca-se claramente uma questão: em qual desses dois “tipos” de sociedade se situa o Brasil? Decerto, o Brasil foi claramente “oriental” durante o Império e a República Velha. Mas, sobretudo a partir de 30, com interrupções, com avanços e recuos, conhecemos um processo de “ocidentalização”, ou seja, de crescimento e complexificação da sociedade civil. Já somos hoje uma sociedade “ocidental”, na qual, portanto, malgrado tudo, há uma “relação equilibrada” entre Estado e sociedade civil. Malgrado tudo porque, sem dúvida, somos um “Ocidente” periférico e tardio, o que implica a permanência entre nós de vastas zonas sociais tipicamente “orientais”. Mas esse era também o caso da Itália nos anos 30 ─ e Gramsci não hesitou, por isso, em considerá-la como parte do “Ocidente”.

A correta caracterização da sociedade brasileira tem claras implicações na definição das tarefas que se colocam às forças de esquerda no Brasil de hoje. Se efetivamente somos sobretudo “Ocidente”, não mais podemos conceber um caminho exeqüível para o socialismo a partir do que ainda existe em nós de “orientalidade”: essa é uma tentação à qual ainda sucumbem alguns setores minoritários da esquerda, que parecem não ter aprendido a lição do fracasso da chamada “esquerda armada” nos anos 60 e 70. O caminho brasileiro para o socialismo deve respeitar essa nossa “ocidentalidade”, ou seja, deve basear-se numa paciente batalha pela hegemonia, pela conquista de espaços na sociedade civil, como condição prévia para a efetiva conquista do poder governamental. Embora a expressão não seja de Gramsci, esse caminho “ocidental” para o socialismo pode ser chamado de “reformismo revolucionário”.

Foram muitas as leituras de Gramsci no Brasil. Além de influenciar inúmeras pesquisas em múltiplas áreas universitárias (da teoria política à pedagogia, da sociologia à crítica literária, da filosofia ao serviço social), Gramsci continua a determinar a orientação de muitos debates políticos entre nós. Do PSTU ao PPS, passando por várias correntes internas do PT, Gramsci é uma referência essencial para boa parte da esquerda e da chamada “centro-esquerda” brasileiras. E não só da esquerda ou da “centro-esquerda”: até mesmo o Presidente Cardoso, há cerca de um ano, numa entrevista à revista Veja, usou hipocritamente Gramsci para justificar suas posições políticas neoliberais. Embora os Cadernos do cárcere possuam uma articulação interna sistemática, a sua forma de apresentação é claramente fragmentária: isso parece permitir múltiplas interpretações, como se a obra de Gramsci fosse uma “obra aberta”. Não creio que o seja: Gramsci era um comunista, refletiu sobre as condições da revolução socialista no que ele chamou de “Ocidente”, propondo uma estratégia diversa daquela dos bolcheviques na Rússia de 1917. Mas o fato de que sua interpretação provoque acesos debates, que tanto o PSTU quanto o Presidente Cardoso possam citá-lo com aprovação, parece-me uma prova de que é preciso relê-lo com atenção. Nada melhor para isso do que uma nova edição crítica de sua obra entre nós, uma edição que o apresente sem prévias hipotecas interpretativas.

Republicar e rediscutir Gramsci no Brasil tornou-se assim uma demanda real. A batalha ideológica em nosso País assumiu recentemente um rumo paradoxal. Precisamente no momento em que parece começar a ruir a hegemonia do “pensamento único”, do pensamento neoliberal, importantes personalidades da esquerda resolveram colocar em discussão a opção pelo socialismo. Precisamente no momento em que o capitalismo, no mundo e em nosso País, manifesta claramente sua incapacidade de solucionar minimamente os problemas da humanidade ─ os constantes problemas da liberdade, da igualdade e da fraternidade ─, essas personalidades de esquerda parecem querer recusar liminarmente a única alternativa exeqüível à barbárie em que estamos cada vez mais envolvidos, ou seja, precisamente a luta pela construção de uma nova ordem social, de uma sociedade socialista. De resto, essa renúncia a uma efetiva alternativa ao capitalismo baseia-se, muitas vezes, na falsa idéia de que haveria identidade entre socialismo e ditadura, entre socialismo e estatismo, ou que o socialismo seria concebido pelo marxismo como uma fatalidade inexorável. Ora, os que assim argumentam certamente não leram nem Marx nem Gramsci: ao contrário, acreditam ter aprendido marxismo através dos esquemáticos folhetos de Mao Tse-tung ou dos pífios manuais publicados em massa pela extinta “Academia de Ciências da União Soviética”.

Para Gramsci, em clara oposição a essas falsas “fontes”, o comunismo é definido como uma “sociedade regulada”, na qual os mecanismo coercitivos do estado stricto sensu devem ser progressivamente absorvidos pelos aparelhos consensuais da “sociedade civil”. Para ele, portanto, todas as coerções heterônomas e alienadas, sejam elas resultantes do mercado ou da burocracia, devem ser substituídas progressivamente por relações fundadas num contrato livremente decidido entre os “produtores associados”, ou seja, no que ele chamou de “consenso”. Além disso, Gramsci sempre criticou as leituras fatalistas do marxismo, que previam uma marcha inexorável para o socialismo: chamou-as de “narcóticos”, afirmando claramente que elas impediam o pleno exercício de uma vontade coletiva autônoma e criadora. Para o autor dos Cadernos do cárcere, o socialismo é obra dos homens. Não é uma necessidade objetiva, no sentido de que seria determinada de modo fatalista pelas “condições materiais”; mas é certamente uma necessidade subjetiva, na exata medida em que só através de sua realização os homens podem efetivamente livrar-se da barbárie e cumprir as promessas de emancipação contidas na modernidade.

No cárcere fascista, de resto, Gramsci se opôs duramente às propostas de socialismo formuladas e implementadas por Stalin. Mas nunca abandonou a sua convicção juvenil de que a Revolução de Outubro abrira uma nova etapa na luta da humanidade contra a exploração e a alienação. Ele sabia que essa luta era difícil e complexa, que o capitalismo dispunha de inumeráveis recursos, entre os quais os dispositivos postos em prática pelo que chamou de “americanismo”. Mas jamais renunciou a travar a luta pelo comunismo, por aquilo que definiu ─ sob a pressão da censura carcerária ─ como “sociedade regulada”. Por tudo isso, a máxima que adotou como inspiração para sua reflexão e sua ação mantém toda a sua atualidade: pessimismo da inteligência, otimismo da vontade.

Então, por que Gramsci? Precisamente porque, ao nos ensinar a compreender melhor o capitalismo do século XX, ele nos indicou também a necessidade de lutar contra essa formação econômico-social e nos sugeriu importantes meios para fazê-lo. O que significa, portanto, que é bastante clara a tarefa que o autor dos Cadernos nos legou: a de reinventar um socialismo adequado ao século XXI.


* Publicado em Teoria e Debate, São Paulo, n. 43, nov.-dez. 1999/jan. 2000. Este texto foi redigido a propósito do lançamento das Obras de Gramsci, editadas por C. N. Coutinho, com a colaboração de Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 10 v., 1999-2005.

[COUTINHO, Carlos Nelson. Contra a corrente: ensaios sobre democracia e socialismo. 2. e. São Paulo: Cortez, 2008, p. 193-200]

arlos Nelson Coutinho nasceu na Bahia em 1943. É professor titular da Escola de Serviço Social da UFRJ, na qual ensina Teoria Política e Formação Social do Brasil. Dirige atualmente a Editora UFRJ. Publicou vários livros, entre os quais Intervenções. O marxismo na batalha das idéias (São Paulo: Cortez, 2006), Gramsci. Um estudo sobre seu pensamento político (3. e. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007) e Marxismo e política. A dualidade de poderes e outros ensaios (3. e. São Paulo: Cortez, 2008). É também editor das Obras de Antonio Gramsci (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 10 vols., 1999-2005). Foi um dos fundadores do PSOL e é do Diretório Nacional do partido.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Por ordem da ANP, militantes são espancados e presos durante manifestação no Rio contra leilão do petróleo

Fonte: Agência Petroleira de Notícias
Veja fotos da atividade em www.apn.org.br

Cerca de 50 feridos e três pessoas detidas. Esse é o saldo – até agora computado - deixado pela violenta reação da Polícia Militar do Rio de Janeiro e da Guarda Municipal, durante uma manifestação pacífica, por volta de meio dia, nesta quinta, 18, na Avenida Rio Branco, em protesto contra a 10ª Rodada de Licitação do Petróleo.

Depois de receberem uma ordem de despejo, ontem à noite (17) para desocupar o Edifício Sede da Petrobrás, no Rio, os manifestantes – cerca de 500 pessoas - dirigiram-se para a Candelária, que fica perto da Agência Nacional do Petróleo (ANP), responsável pela realização dos leilões das áreas petrolíferas. Em seguida, a manifestação prosseguiu pela Avenida Rio Branco, em direção à Cinelândia.

A violenta reação da Polícia Militar e da Guarda Municipal surpreendeu os manifestantes que foram espancados durante toda a caminhada pela Avenida Rio Branco. Até agora os organizadores da manifestação, convocada pelo Fórum Nacional contra a Privatização do Petróleo e Gás, que reúne dezenas de entidades, confirmam a detenção de três pessoas: Emanuel Cancella, coordenador do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ); Gualberto Tinoco (Piteu), da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas): Thaigo Lúcio Costa, estudante de jornalismo da Universidade de Santa Cecília, de Santos. Dentre os feridos, está hospitalizado, com um corte na cabeça, no Souza Aguiar, o diretor do Sindipetro-RJ Eduardo Henrique Soares da Costa. Um militante do MST quebrou o braço, ao ser espancado pela PM. As entidades que compõem o Fórum ainda estão fazendo o levantamento do número de feridos e estão tentando localizá-los. Muitos ainda não foram encontrados.

Desde a ordem de despejo, vinda da presidência da Petrobrás, ontem à noite, os manifestantes sentiram a animosidade das forças de repressão, mas não esperavam ação tão agressiva, contra uma simples manifestação de protesto. Um dos detidos, o coordenador do Sindipetro-RJ, Emanuel Cancella, declarou:

“Nós acabamos de viver um momento que remonta à sombria época da ditadura militar. O Capitão Moreira me deu ordem de prisão, mesmo eu dizendo que era advogado. Ele bateu muito em mim. Algemou o Pitel e o estudante e os policiais feriram gravemente nosso companheiro Eduardo Henrique”. Emanuel Cancella está com um braço fraturado e costelas. Por de 14 horas estava concluindo o seu depoimento na 1ª DP, na Rua Relação, 42. Logo seria encaminhado para exame de corpo delito. A partir das 14h30, a Rádio Petroleira transmitirá flashes ao vivo.

Participavam da manifestação no Rio, parte de uma jornada de Lutas pela suspensão do leilão do petróleo, iniciada desde o dia 14 – no dia 15, houve a ocupação do Ministério das Minas e Energia, em Brasília, pela Via Campesina e petroleiros – representantes de dezenas de entidades que compõem o Fórum, dentre as quais: Sindipetro-RJ, Sindipetro-Litoral Paulista, MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) , MTD (Movimento dos Trabalhadores Desempregados), FIST (Federação Internacionalista dos Sem Teto), FOE (Frente de Oposição de Esquerda da União Nacional dos Estudantes), as centrais sindicais Conlutas, Intersindical e CUT, a Federação Única dos Petroleiros (FUP), a Frente Nacional dos Petroleiros (FNP), o Centro Estudantil de Santos, movimentos de estudantes secundaristas do Rio de Janeiro. A campanha “O Petróleo Tem que ser nosso” continua.

Contatos: (21) 76617258, Joba (MST); Marcelo Durão (21) 96847750; (21) 9963-3605, Francisco Soriano (Sindipetro-RJ); Moraes 21-76741786 (FUP).


www.apn.org.br

É permitida (e recomendável) a reprodução desta matéria, desde que citada a fonte.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Vitória da esquerda

Do sítio Fazendo Media...


09.12.2008 | 15h30 | Comentário (1)

www.fazendomedia.com


Depois de 20 anos de descumprimento da Constituição Federal, finalmente será instalada a CPI da Dívida - bandeira histórica da esquerda. Parabéns ao deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), autor da proposta. Agora o Brasil terá uma boa chance de conhecer alguns mecanismos utilizados para roubar nossos recursos e, mais ainda, de anular as dívidas que forem consideradas fraudulentas. Segue abaixo a nota da Auditoria Cidadã:

Amigos da Auditoria Cidadã,

Hoje, 8 de dezembro de 2008, o Presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, criou a ?Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a dívida pública da União, Estados e Municípios, o pagamento de juros da mesma, os beneficiários destes pagamentos e o seu monumental impacto nas políticas sociais e no desenvolvimento sustentável do País? ? CPI DA DÍVIDA ? conforme o Ato da Presidência, abaixo.

A CPI foi proposta pelo Deputado Federal Ivan Valente (PSOL/SP), que já havia recolhido as assinaturas necessárias (1/3 dos deputados). Faltava apenas a decisão política do Presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, que recebeu dia 13 de novembro uma delegação da Comissão para a Auditoria Integral da Dívida do Equador (CAIC), dentro da programação do Seminário Internacional ?Auditoria da Dívida na América Latina?, quando foi reivindicada a instalação da CPI da Dívida.

Agora os líderes dos partidos devem indicar seus representantes na CPI, que deve iniciar-se no começo do ano que vem, quando lutaremos para que a CPI efetivamente investigue o endividamento. De acordo com a Constituição Federal, Art 58, § 3º, as comissões parlamentares de inquérito possuem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, sendo que suas conclusões serão encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores. Ainda não se trata do Art. 26 das Disposições Transitórias da Constituição (que prevê a auditoria da dívida), pelo qual continuaremos lutando. Porém, a CPI já representa a
instalação de uma AUDITORIA OFICIAL, tão almejada por todos nós.

De acordo com o artigo 36 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a CPI poderá, dentre outras coisas:

I - requisitar funcionários dos serviços administrativos da Câmara, bem como, em caráter transitório, os de qualquer órgão ou entidade da administração pública direta, indireta e fundacional, ou do Poder Judiciário, necessários aos seus trabalhos;

II - determinar diligências, ouvir indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de órgãos e entidades da administração pública informações e documentos, requerer a audiência de Deputados e Ministros de Estado, tomar depoimentos de autoridades federais, estaduais e municipais, e requisitar os serviços de quaisquer autoridades, inclusive policiais;

III - incumbir qualquer de seus membros, ou funcionários requisitados dos serviços administrativos da Câmara, da realização de sindicâncias ou diligências necessárias aos seus trabalhos, dando conhecimento prévio à Mesa;

IV - deslocar-se a qualquer ponto do território nacional para a realização de investigações e audiências públicas;

V - estipular prazo para o atendimento de qualquer providência ou realização de diligência sob as penas da lei, exceto quando da alçada de autoridade judiciária;

Valeu a pena lutar e trabalhar pela auditoria da dívida durante todos estes anos. Valeu a pena mostrar e investir no exemplo equatoriano, agora seguido pela Venezuela, Bolivia, Paraguai, E FINALMENTE PELO BRASIL.

Rodrigo Ávila
Auditoria Cidadã da Dívida
www.divida-auditoriacidada.org.br

sábado, 8 de novembro de 2008

Mézsáros sobre a crise...

Texto disponível no sítio do ENLACE (tendência interna do P-SOL, http://www.enlace.org.br/teoria/a-crise-em-desdobramento-e-a-relevancia-de-marx-2)

A crise em desdobramento e a relevância de Marx - István Mészáros


por Rodrigo Teixeira
Última modificação 07/11/2008 15:49

Nas últimas semanas vocês tiveram uma antevisão do que eu tinha em mente. Mas apenas uma antevisão, porque a crise estrutural do sistema do capital como um todo, a qual estamos a experimentar na nossa época numa escala de era, está destinada a ficar consideravelmente pior.


A crise em desdobramento e a relevância de Marx - István Mészáros

István Mészáros


Ela tornar-se-á na devida altura muito mais profunda, no sentido de invadir não apenas o mundo das finanças globais mais ou menos parasitárias como todos os domínios da nossa vida social, económica e cultural.

Alguns de vocês talvez tenham estado presentes na nossa reunião de Maio deste ano neste edifício, quando recordei o que havia dito a Lucien Goldman, em Paris, poucos meses antes do histórico Maio de 1968 francês. Em contraste com a perspectiva então prevalecente do "capitalismo organizado", que se supunha ter deixado para trás com êxito o estágio da "crise do capitalismo" – uma visão fortemente asseverada por Marcuse e nessa época também partilhada pelo meu querido amigo Lucien Goldman – insisti no facto de que, em comparação com a crise em que estamos realmente a entrar, "a Grande Crise Económica Mundial de 1929-1933" se parecer com "uma festa no salão de chá do vigário".

Nas últimas semanas vocês tiveram uma antevisão do que eu tinha em mente. Mas apenas uma antevisão, porque a crise estrutural do sistema do capital como um todo, a qual estamos a experimentar na nossa época numa escala de era, está destinada a ficar consideravelmente pior. Ela tornar-se-á na devida altura muito mais profunda, no sentido de invadir não apenas o mundo das finanças globais mais ou menos parasitárias como todos os domínios da nossa vida social, económica e cultural.

A questão óbvia que devemos agora tratar refere-se à natureza da crise global em desdobramento e as condições necessárias para a sua solução factível.

A CONFIANÇA E A FALTA DELA

Se tentarem recordar o que foi infindavelmente repetido nas últimas duas semanas acerca da crise actual, há uma palavra que se destaca, ensombrando todos os demais diagnósticos apregoados e os remédios correspondentes. Essa palavra é confiança. Se ganhássemos uma nota de dez libras por cada vez que esta palavra mágica foi oferecida para consumo público nas últimas duas semanas em todo o mundo, sem mencionar a sua continuada reafirmação desde então, estaríamos todos milionários. O nosso único problema seria então o que fazer com os nossos milhões subitamente adquiridos. Pois nenhum dos nossos bancos, nem mesmo os nossos bancos nacionalizados recentemente – nacionalizados ao custo considerável de não menos do que dois terços dos seus activos de capital – poderia fornecer a lendária "confiança" necessária ao depósito ou ao investimento seguro.

Até o nosso primeiro-ministro, Gordon Brown, nos apresentou na semana passada a frase memorável "Confiança é a coisa mais preciosa". Conheço a cantiga – e provavelmente a maioria de nós também a conhece – que nos diz que: "O amor é a coisa mais preciosa". Mas a confiança no sistema bancário capitalista ser a coisa mais preciosa?! Tal sugestão é absolutamente perversa!

No entanto, a advocacia deste remédio mágico parece agora ser universal. A palavra é repetida com tamanha convicção como se a "confiança" pudesse simplesmente chover do céu ou crescer em grande abundância em árvores financeiras "capitalistamente" bem adubadas.

Há três dias atrás (a 18 de Outubro) o programa da BBC das manhãs de domingo – o programa Andrew Marr – entrevistou um eminente cavalheiro idoso, Sir Brian Pitman, o qual foi apresentado como o antigo Chefe do negócio bancário do Lloyd's. Eles não disseram quando ele liderou aquela organização, mas o modo como falou logo o tornou claro. Pois transpirou através das suas respostas respeitosamente recebidas que ele deve ter sido o Chefe do Lloyd's Bank bem antes da Crise Económica Mundial de 1929-33. Consequentemente, para encorajar os telespectadores, ele apresentou uma grande inovação conceptual no discurso da confiança ao dizer que as nossas perturbações eram todas elas devidas a alguma "Super-confiança". E imediatamente demonstrou também o significado de "Super-confiança", ao afirmar, mais de uma vez naquela curta entrevista, que não pode haver problemas sérios hoje, porque o mercado sempre toma conta de tudo, mesmo que por vezes ele vá inesperadamente muito abaixo. Posteriormente ele sempre sobe outra vez. De modo que ele também fará isso desta vez, e subirá infalivelmente repetidas vezes no futuro. A crise actual não deveria ser exagerada, disse ele, porque é muito menos séria hoje do que a que experimentámos em 1974. Pois em 1974 tivemos uma semana de três dias de trabalho na Grã-Bretanha [ainda que em nenhum outro lugar] e agora não temos isso. Temos? E quem poderia argumentar contra aquele facto irrefutável?

A TRÍADE PSEUDO-HEGELIANA

Assim, temos agora a palavra mágica explicativa para todas as nossas perturbações não a apresentar-se como um órfão infeliz, solitário, mas como parte de algo como uma tríade "fukuyamizada" pseudo-hegelina: confiança – falta de confiança e super-confiança. O único constituinte que falta neste discurso mágico explicativo é agora o fundamento real do nosso perigoso sistema de banca e seguros que opera no terreno dos truques de confiança em proveito próprio que mais cedo ou mais tarde estão destinados a serem (e de tempos em tempos realmente têm sido) descobertos.

Tartaruga cósmica. De qualquer forma, toda esta conversa acerca das virtudes absolutas da confiança na administração económica capitalista assemelha-se muito à explicação oferecida pela mitologia indiana acerca da base de suporte do universo. Pois naquela antiga visão do mundo dizia-se que o universo era carregado, muito reconfortantemente, sobre as costas de elefantes. E os poderosos elefantes?, você poderia perguntar. Ninguém pensaria que isso fosse uma dificuldade. Pois os elefantes são, ainda mais reconfortantemente, suportados nas costas da tartaruga cósmica. Mas, e quanto à própria tartaruga cósmica? Não é suposto que pergunte tal questão, para que não sirva de alimento aos tigres de Bengala, antes de eles serem extintos.

Felizmente, talvez (?), The Economist é um bocadinho mais realista na sua avaliação da situação.

No contexto deste nosso assunto penoso, a agora reconhecida pioria da crise económica, vou apresentar-lhes citações exactas, incluindo alguns números malditos de fracassos capitalistas que já não são negáveis, retirados principalmente de publicações bem estabelecidas e com uma consciência de classe desavergonhadamente burguesa como The Economist e The Sunday Times. Vamos citá-las meticulosamente, palavra por palavra, não só porque elas são eminentes no seu campo como também a fim de evitar que nos acusem de "viés e distorção de esquerda".

Marx costumava dizer que nas páginas de The Economist a classe dominante estava a "conversar consigo própria". As coisas mudaram um pouco desde aquele tempo. Pois agora até mesmo no campo especializado da "perícia económica" a classe dominante precisa de um órgão de propaganda de circulação em massa, com o objectivo da mistificação geral. No tempo em que Marx viveu a classe dominante estava cheia de "confiança", e também de um grande bocado de "super-confiança" incontestada, para necessitar disso. Assim, sob as menos arrogantes circunstâncias actuais, o semanário de distribuição em massa com sede em Londres, The Economist, – o farisaico porta-voz do anual "Davos Jamboree" dominado pelos EUA – é cauteloso ao conceder que a crise que estamos a enfrentar hoje refere-se às dificuldades de "Salvar o sistema", conforme a sua capa do número de 11 de Outubro de 2008.

Podemos admitir, naturalmente, que nada menos do que "salvar o sistema" (ou não) é o que está em causa no nosso tempo, mesmo que a discussão de The Economist deste problema seja um tanto estranha e contraditória. Pois no seu modo habitual de tentar apresentar a sua posição altamente partidária como uma visão objectivamente "equilibrada", utilizando a fórmula do "por um lado isto e por outro lado aquilo", o The Economist sempre consegue atingir a sua desejada conclusão em favor da ordem estabelecida. Assim, também nesta ocasião, The Economist assevera no seu artigo principal de 11 de Outubro que "Esta semana assistiu-se ao primeiro vislumbre de uma resposta global abrangente para o fosso da confiança ". Agora, felizmente, espera-se que o "fosso da confiança", embora reprovável em si próprio, se remedeie graças a uma algo misteriosa "resposta global abrangente".

Ao mesmo tempo, no lado mais realista, o semanário londrino também reconhece no mesmo editorial que

    "O dano para a economia real está a tornar-se aparente. Na América o crédito ao consumidor está agora a contrair-se, e cerca de 150 mil americanos perderam os seus empregos em Setembro, o máximo desde 2003. Algumas indústrias estão seriamente prejudicadas: as vendas de carros estão no seu mais baixo nível em 16 anos pois os aspirantes a compradores são incapazes de obter crédito. A General Motors fechou temporariamente algumas das suas fábricas na Europa. Por todo o globo indicadores prospectivos, como inquéritos de compras junto a administradores, estão horrivelmente sombrios".

Eles não dizem, contudo, que "o fosso da confiança" pode ter algo a ver com tais factos.

Naturalmente, a defesa do sistema deve prevalecer em cada artigo, mesmo se esta tiver de ser apresentada com a expressão inquestionável de visão pragmática. Neste sentido, "salvar o sistema" para The Economist equivale à identificação totalmente acrítica da revista com a operação de resgate económico ilimitado, e a advocacia incontestável dos mesmo, – a ser cumprida sem quaisquer meios que se afastem dos habitualmente mais dogmaticamente glorificados "recursos do mercado" – em favor do perturbado sistema capitalista. Assim, mesmo os mais queridos e bem testados dogmas da propaganda (de um não só não existente livre mercado, que na realidade nunca existiu) podem agora ser atirados borda fora pela nobre causa de "Salvar o sistema". Consequentemente, conta-nos The Economist que

    "A economia mundial está claramente com um aspecto fraco, mas ela poderia ficar um bocado pior. Este é o momento de colocar dogma e política de lado e concentrar em respostas pragmáticas. Isto significa mais intervenção governamental e cooperação no curto prazo, mais do que os contribuintes, políticos ou na verdade os jornais do mercado livre normalmente gostariam ". [1]

Nós fomos presenteados anteriormente com sermões semelhantes do presidente George W. Bush. Ele disse na sua intervenção na televisão há duas semanas que normalmente e instintivamente ele é crente e apoiante apaixonado do mercado livre, mas sob as actuais circunstâncias excepcionais ele deve pensar em outros caminhos. Ele deve começar a pensar sob estas difíceis circunstâncias, ponto final. Você não pode dizer que não foi advertido.

As somas envolvidas na recomendada solução "pragmática", as quais advogam varrer para o lado as "preferências normais" dos "contribuintes e jornais do mercado livre " (isto é, da solução agora defendida a qual significa, na verdade, a necessária submissão das grandes massas do povo a fardos fiscais crescentes, mais cedo ou mais tarde) são literalmente astronómicas. Para citar The Economist mais uma vez: "em pouco mais de três semanas o governo da América, como foi dito, expandiu seu passivo bruto em mais de US$1 milhão de milhões – quase o dobro do custo da guerra do Iraque até agora " [2] "Bancos americanos e europeus perderão cerca de US$10 milhões de milhões". [3] "Mas a história ensina uma lição importante: que as grandes crises bancárias são essencialmente resolvidas pelo lançamento de grandes blocos de dinheiro público" [4] .

Dezenas de milhões de milhões de dinheiro público "dado", e justificado em nome da alegada "importante lição da história", e naturalmente ao serviço da incontestável boa causa de salvar o sistema, isto é certamente um bloco muito grande. Nenhum vendedor ambulante de gelados poderia alguma vez sonhar com tais blocos. E se acrescentarmos àquela grandeza o facto citado na mesma página da revista de Londres, que só no decorrer do ano passado "o índice de preços dos alimentos de The Economist saltou aproximadamente 55%" [5] e "A alta dos preços dos alimentos no fim de 2007 e princípio de 2008 provocou tumultos em uns 30 países" [6] , nesse caso o bloco em causa torna-se ainda mais revelador quanto à natureza do sistema que agora se encontra, ele próprio, numa crise sempre a aprofundar-se.

Pode alguém pensar numa maior acusação para um sistema de produção económica e reprodução social pretensamente inultrapassável do que esta de que – no máximo do seu poder produtivo – está a produzir uma crise alimentar global, e o sofrimento dos incontáveis milhões inseparáveis disto por todo o mundo? Esta é a natureza do sistema que se espera salvar agora a todo custo, incluindo a actual "repartição" do seu custo astronómico.

Como pode alguém ter algum senso tangível de todos os milhões de milhões desperdiçados? Uma vez que estamos a falar acerca de grandezas astronómicas, pus esta pergunta a um amigo que é professor de Astrofísica na Universidade de Londres. A sua resposta foi que eu deveria assinalar que um milhão de milhões (trillion) apenas é aproximadamente uma centena de vezes a idade do nosso universo. Agora, na escala da mesma grandeza, o número oficial habitualmente subestimado da dívida americana, por si própria, monta nos nossos dias a mais de 10 milhões de milhões. Isto é, um milhar de vezes a idade do nosso universo.

Mas deixem-me citar-vos um curto trecho de uma publicação japonesa. Lê-se isto:

    "Quanto dinheiro especulativo está a movimentar-se pelo mundo? Segundo uma análise da Mitsubishi UFJ Securities, a dimensão da "economia real" global, na qual bens e serviços são produzidos e comercializados, é estimada em US$48,1 milhões de milhões... Por outro lado, a dimensão da 'economia financeira' global, o montante total de acções, títulos e depósitos, eleva-se a US$151,8 milhões de milhões. Portanto, a economia financeira inchou mais de três vezes relativamente à dimensão da economia real, crescendo rapidamente durante as últimas duas décadas. O fosso é tão grande quanto US$100 milhões de milhões. Um analista envolvido nesta estimativa disse que cerca da metade deste montante, US$50 milhões de milhões, mal é necessário para a economia real. Cinquenta milhões de milhões de dólares valem bem mais de 5000 milhões de milhões de yen, um número demasiado grande para eu realmente compreender". [7]

Na verdade é mesmo muito difícil compreender, quanto mais justificar, como fazem os nossos políticos e banqueiros apologistas do capital, as somas astronómicas de especulação parasitária acumulada numa grandeza correspondente a 500 mil vezes a idade do nosso universo. Se quiser uma outra medida sobre a grandeza em causa, imagine apenas um infeliz contabilista dos tempos romanos, a quem fosse pedido nada mais do que simplesmente escrever no seu quadro negro o número de 5000 milhões de milhões de yen em algarismos romanos. Ele cairia em desespero total. Simplesmente não poderia fazer isso. E mesmo que tivesse à sua disposição algarismos arábicos, os quais não poderia ter tido, mesmo neste caso precisaria 17 zeros após o número 5 a fim de registar a cifra em causa.

O perturbante, contudo, é que os nossos políticos e banqueiros endinheirados parecem pensar apenas nos zeros, e não nas suas ligações substantivas, quando apresentam estes problemas para consumo público. E esta abordagem provavelmente não pode funcionar indefinidamente. Pois é preciso muito mais do que zeros para escapar do buraco sem fundo do endividamento global a que estamos condenados pelo sistema que eles agora querem salvar a todo custo.

Na realidade, a recente popularidade de Gordon Brown tem uma grande relação com zeros em mais de uma forma. A sua espantosa nova popularidade – que, bem pensado, pode acabar por ser um tanto efémera – foi demonstrada na semana passada pela manchete de primeira página: "From Zero to Hero" ("De zero a herói"). O artigo em questão sugeria que o nosso primeiro-ministro realmente teve êxito em "salvar o sistema". Aqui está como ele ganhou a grande aclamação.

NACIONALIZAÇÃO DA BANCARROTA CAPITALISTA

A razão porque ele foi louvado desse modo, como um herói, foi ter inventado uma nova variedade de nacionalização da bancarrota capitalista, a ser adoptada com imperturbável "consciência de mercado livre" também por outros países. Aquilo fez até mesmo com que George W. Bush se sentisse menos culpado por actuar contra o seu auto-proclamado "instinto apaixonado" quando nacionalizou um enorme "bloco" da bancarrota capitalista estado-unidenses do qual um único ítem – os passivos das companhias hipotecárias gigantes Fannie Mae e Freddie Mac – montavam a 5,4 milhões de milhões de dólares (o que quer dizer, a soma necessária para 54 anos de execução da guerra do Iraque).

A "novidade pragmática" – oposta "ao dogma e à política" nas palavras de The Economist – da recente nacionalização da bancarrota capitalista pelo "New Labour" é que os contribuintes obtiveram absolutamente nada (por outras palavras, zero-zero-zero quantas vezes queira escrever, mesmo dezassete vezes) pelas imensas somas de dinheiro investido em activos capitalistas fracassados, incluindo nossos bancos britânicos nacionalizados a dois terços. Esta espécie de nacionalização da bancarrota capitalista é algo diferente das versões anteriores, instituídas após a Segunda Guerra Mundial quando a "Cláusula 4" do Partido Trabalhista – a advogar o controle público dos meios de produção – ainda fazia parte da sua Constituição. Pois em 1945 os nacionalizados sectores em bancarrota da economia capitalista foram transferidos para o controle do Estado, e enquanto durou foram generosamente engordados outra vez a partir da tributação geral com o objectivo da adequada "privatização" no devido momento.

Mesmo a nacionalização da Rolls Royce Company em 1971, sob o primeiro-ministro conservador Edward Heath, seguiu o mesmo padrão embaraçoso de nacionalização abertamente admitida e controlada pelo Estado. Nos nossos dias, contudo, a beleza da solução de Gordon Brown é que remove o embaraço enquanto multiplica muitas vezes os milhares de milhões desperdiçados ao investir na bancarrota capitalista. Certamente ele merece plenamente a sua promoção de "De zero a herói" bem como o máximo louvor de "Salvador do mundo" que lhe foi conferida por alguns outros jornais, devido à sua grande modéstia de ficar satisfeito com o zero absoluto em troca dos nossos – não dos seus – milhares de milhões generosamente dispensados. Mas poderá esta espécie de remédio governamental ser considerada uma solução perdurável para os nossos problemas mesmo em termos de curto prazo, para não mencionar a sua necessária sustentabilidade a longo prazo? Só os loucos poderiam acreditar nisso.

Na verdade, a recentes medidas adoptadas pelas nossas autoridades políticas e financeiras apenas atenderam a um único aspecto da crise actual: a liquidez dos bancos, das companhias de hipotecas e de seguros. E mesmo isso só numa extensão muito limitada. Na realidade as enormes "dádivas de blocos" não representam senão o pagamento dos depósitos, por assim dizer. Muito mais será necessário também quanto a isto no futuro, como as perturbações ainda em desdobramento no mundo dos mercados de acções continuam a enfatizar.

Contudo, bem além do problema da liquidez , uma outra dimensão apenas da crise financeira refere-se à quase catastrófica insolvência dos bancos e das companhias de seguros. Este facto torna-se claro quando os seus passivos assumidos especulativamente e irresponsavelmente, mas nem por isso menos existentes, são realmente levados em conta. Para dar apenas um exemplo: dois dos nossos grandes bancos na Grã-Bretanha têm passivos que montam a US$2,4 milhões de milhões cada um, adquiridos sob a suposição aventureira de que eles nunca terão de ser cumpridos. Pode o estado capitalista salvá-los com êxito com passivo dessa dimensão? Onde poderia o estado pedir dinheiro emprestado com essa grandeza para a operação de resgate necessária para tal finalidade? E o que seriam as necessárias consequências inflacionárias de "repartir tais blocos" da operação de resgate verdadeiramente gigantesca ao simplesmente imprimir o dinheiro requerido na ausência de outras soluções?

Além disso, os problemas não se esgotam de modo algum no perigoso estado do sector financeiro. Pois de modo ainda mais intratável, também os sectores produtivos da indústria capitalista estão com sérios problemas, pouco importando quão altamente desenvolvida e favorecida eles possam parecer estar através da sua posição de vantagem competitiva na hierarquia global do capital transnacional. Devido ao nosso tempo limitado, devo limitar-me a um exemplo, mas muito significativo. Refere-se à indústria automóvel dos Estados Unidos, grandemente humilhada nos últimos anos, apesar de todos os subsídios recebidos do mais poderoso estado capitalista no passado, que se contam em muitos milhares de milhões de dólares.

Deixem-me citar de um artigo publicado sobre a Ford Corporation e suas fantasias globalizantes em 1994, publicado no The Sunday Times. Foi assim que os nossos distintos jornalistas financeiros pintaram naqueles tempos a sua rósea pintura:

    "A globalização plena está a ser tentada pelas multinacionais ... 'Isto é definitivamente o bébé de Trotman, disse uma fonte americana. 'Ele tem uma visão do futuro, a qual diz que, para ser um vencedor global, a Ford deve ser uma corporação verdadeiramente global". Segundo Trotman, que disse a The Sunday Times em Outubro de 1993, "Como a competição automotiva se torna mais global ao entrarmos no próximo século, a pressão para descobrir economias de escala tornar-se-á cada vez maior. Se, ao invés de fazer dois motores de 500 mil unidades cada um, pudermos fazer um milhão de unidades, então os custos são muito mais baixos. Em última análise haverá um punhado de actores globais e o resto não estará ali ou estarão a lutar para sobreviver'. Trotman e seus colegas concluíram que a plena globalização é o caminho para bater competidores como os japoneses e, na Europa, o arqui-rival da Ford, a General Motors, a qual mantém uma vantagem de custo sobre a Ford. A Ford também acredita que precisa da globalização para capitalizar em mercados emergentes no Extremo Oriente e na América Latina". [8]

Portanto, a "única" coisa que Alex Trotman – o britânico que era presidente da Ford Corporation naquele tempo – se esqueceu de considerar, apesar da sua impecável qualificação aritmética de saber a diferença entre 500 mil e 1 milhão, foi isto: o que acontece quando não podem vender o 1 milhão (e muitas vezes mais) motores de carros, apesar da estrategicamente contemplada e desfrutada vantagem de custo. No caso da Ford Corporation, mesmo a maciça taxa de exploração diferencial que a companhia podia impor à escala mundial como enorme companhia transnacional – isto é, pagar por exactamente o mesmo trabalho 25 vezes menos aos trabalhadores da "Ford Philippines Corporation", por exemplo, do que à sua força de trabalho nos Estados Unidos da América – mesmo esta vantagem inquestionável não podia ser considerada suficiente para assegurar uma saída desta contradição fundamental.

É aqui que estamos hoje, não só no caso da gravemente humilhada Ford Corporation como também no da General Motors, independentemente da sua vantagem de custo outrora profundamente invejada até pela Ford Corporation dos Estados Unidos.

Ao falar acerca de um acordo recentemente estabelecido que proporciona subsídios do estado americano às companhias gigantes de automóveis do país, eis como a infeliz situação actual da indústria automobilística estado-unidense é descrita num dos últimos números de The Economist: "o acordo significa que as companhias de automóveis – abençoadas com a garantia do governo – deveriam obter empréstimos com uma taxa de juro de cerca de 5% ao invés dos 15% que enfrentariam no mercado aberto nas condições de hoje". [9]

Contudo, nenhum montante de subsídio de qualquer espécie pode ser considerado suficientemente satisfatório, porque as "Três grandes" – General Motors, Ford e Chrysler – estão à beira da bancarrota, apesar do facto do bébé de sonho de Trotsman ser agora um adolescente plenamente desenvolvido. Portanto The Economist deve admitir que

    "A partir do momento em que subsídios industriais como este começam a fluir, é difícil pará-los. Um estudo recente do Cato Institute, um think-tank de extrema direita, descobriu que o governo federal gastou cerca de US$92 mil milhões a subsidiar negócios só em 2006. Deste total, apenas US$21 mil milhões foram para agricultores, grande parte do resto foi para empresas como a Boeing, a IBM e a General Electric na forma de apoio de crédito à exportação e vários subsídios de investigação.

    Os Três grandes já se queixam de que levará demasiado tempo repartir o dinheiro [do estado], e querem acelerar o processo. Também querem outros US$25 mil milhões, possivelmente ligados à segunda versão da lei de resgate da Wall Street. A lógica do salvamento da Wall Street é que as finanças servem de base para tudo. Detroit não pode começar a fazer tal reivindicação. Mas, se o seu lobbying tiver êxito, será que demorará muito para que companhias de aviação aflitas e retalhistas fracassados se juntem à fila?" [10]

A imensa expansão especulativa do aventureirismo financeiro, especialmente nas últimas três ou quatro décadas, é naturalmente inseparável do aprofundamento da crise dos ramos produtivos da indústria e as resultantes perturbações que se levantam com a absolutamente letárgica acumulação de capital (e na verdade acumulação fracassada) naquele campo produtivo da actividade económica. Agora, inevitavelmente, também no domínio da produção industrial a crise está a ficar muito pior.

Naturalmente, a consequência necessária da crise sempre em aprofundamento nos ramos produtivos da "economia real", como eles agora começam a chamá-la e a contrastar a economia produtiva com o aventureirismo especulativo financeiro, é o crescimento do desemprego por toda a parte numa escala assustadora, e a miséria humana a ele associada. Esperar uma solução feliz para estes problemas vinda das operações de resgate do estado capitalista seria uma grande ilusão.

Este é o contexto em que os nossos políticos deveriam realmente começar a prestar atenção à afirmada "importante lição da história", ao invés de "distribuir grandes blocos de dinheiro público" sob a pretensa "lição da história". Pois como resultado do desenvolvimento histórico sob a regra do capital na sua crise estrutural, na nossa própria época atingimos o ponto em que devemos ser sujeitos ao impacto destrutivo de uma sempre a piorar simbiose entre a estrutura legislativa do estado da nossa sociedade e o material produtivo bem como da dimensão financeira da ordem reprodutiva societária estabelecida.

Compreensivelmente, aquele relacionamento simbiótico pode ser, e frequentemente também acontece ser, administrado com práticas absolutamente corruptas pelas personificações privilegiadas do capital, tanto nos negócios como na política. Pois, não importa quão corruptas possam ser tais práticas, elas estão plenamente em sintonia com os contra-valores institucionalizados da ordem estabelecida. E – dentro da estrutura da simbiose prevalecente entre o campo económico e as práticas políticas dominantes – eles são legalmente bastante permissíveis, graças ao mais dúbio e muitas vezes mesmo claramente anti-democrático papel facilitador da selva legislativa impenetrável proporcionada pelo estado também no domínio financeiro.

A fraudulência, numa grande variedade das suas formas práticas, é a normalidade do capital. As suas manifestações extremamente destrutivas não estão de modo algum confinadas à operação do complexo militar-industrial. Nesta altura o papel directo do estado capitalista no mundo parasitário das finanças é não só fundamentalmente importante, em vista da sua grandeza que tudo permeia, como tivemos de descobrir com chocante clareza durante as últimas semanas, mas também potencialmente catastrófico.

O facto embaraçoso é que companhias hipotecárias gigantes dos EUA, como a Fannie Mae e o Freddie Mac, foram corruptamente apoiadas e generosamente abastecidas com garantias altamente lucrativas mas totalmente imerecidas pela selva legislativa do Estado americano em primeiro lugar, bem como através de serviços pessoais de corrupção política não punida. Na verdade, a cada vez mais densa selva legislativa do estado capitalista passa por ser o legitimador "democrático" da fraudulência institucionalizada nas nossas sociedades. Os editores e jornalistas de The Economist estão de facto perfeitamente familiarizados com as práticas corruptas pelas quais, no caso das companhias hipotecárias gigantes americanas, receberam do seu estado tratamento descaradamente preferencial [aqui cito The Economist ]

    "permitiu à Fannie e ao Freddie operarem com minúsculos montantes de capital. Os dois grupos tinham núcleos de capital (como definido pelo seu regulador) de US$83,2 mil milhões no fim de 2007, isto suportava US$5,2 milhões de milhões de dívidas e garantias, um rácio de alavancagem de 65 para um. [!!!] Segundo a CreditSights, um grupo de investigação, a Fannie e o Freddie foram contrapartes em valores de US$2,3 milhões de milhões de transacções com derivativos, relacionadas com as suas actividades de hedging. Nunca seria permitido a um banco privado ter um balanço tão altamente alavancado, [11] nem isto o qualificaria para a máxima classificação de crédito AAA. ... Eles utilizaram o seu financiamento barato na compra de activos de rendimento mais alto. [12]

    [Além disso,] Com tanto em jogo, não é de admirar que as companhias tenham construído uma formidável máquina de lobbying. Foram dados empregos a ex-políticos. Os críticos podiam esperar uma cavalgada robusta. As companhias não temiam morder as mãos que as alimentavam". [13]

Não temer "morder as mãos que as alimentavam" refere-se, naturalmente, ao corpo legislativo do estado americano. Mas por que deveriam elas ter medo? Pois companhias tão gigantescas constituem uma simbiose total com o estado capitalista. Isto é um relacionamento que corruptamente se reafirma também em termos do pessoal envolvido, através do acto de contratar políticos que poderiam servi-los preferencialmente, com um impressionante "rácio de alavancagem de 65 para um" e a associada classificação de crédito AAA, mesmo de acordo com a relutante confissão de The Economist.

A gravidade da presente situação é sublinhada de um modo característico pela circunstância relatada nestas palavras por The Economist: " traders no mercado de credit-default swaps recentemente começaram a fazer apostas sobre o impensável: que a América pode incumprir a sua dívida " [14] . Naturalmente, os referidos traders reagem mesmo a eventos de tal carácter e gravidade como os que experimentamos hoje da única maneira possível: a espremer lucro disto.

O INCUMPRIMENTO DOS EUA NÃO É IMPENSÁVEL

O grande problema para o sistema capitalista global é, contudo, que o incumprimento da América não é de todo impensável. Pelo contrário, ele é – e tem sido desde há muito – uma certeza que se aproxima. Foi por isso que escrevi há muitos anos (em 1995, para ser preciso que:

    "Num mundo de insegurança financeira nada se adequa melhor à prática de jogar com somas astronómicas e criminosamente não seguradas nas bolsas de valores do mundo – prenunciando um tremor de terra de magnitude 9 ou 10 na "Escala de Richter" Financeira – do que chamar as empresas que se dedicam a tais jogos " Securities Management"; ... Quando exactamente e de que forma – pode haver muitas variedades, mais ou menos brutais – os EUA incumprirão a sua dívida astronómica não se pode ver neste momento. Só pode haver duas certezas a este respeito. A primeira é que a inevitabilidade do incumprimento americano afectará profundamente toda a gente neste planeta. E a segunda, que a posição de potência hegemónica preponderante dos EUA continuará a ser afirmada de todas as formas, de modo a fazer o resto do mundo pagar pela dívida americana por tanto tempo quanto seja capaz de fazê-lo". [15]

Naturalmente, a condição agravada de hoje é que o resto do mundo – mesmo com a historicamente muito irónica maciça contribuição chinesa para a balança do Tesouro americano – é cada vez menos capaz de preencher o "buraco negro" produzido numa escala sempre crescente pelo insaciável apetite da América por financiamento da dívida, como demonstrado pelas repercussões globais da recente crise hipotecária e bancária dos EUA. Esta circunstância traz o necessário incumprimento da América, numa das "variedades mais ou menos brutais", para muito mais perto.

A verdade desta matéria perturbante é que pode não haver caminho de saída para estas contradições finalmente suicidas, as quais são inseparáveis do imperativo da infindável expansão do capital, independentemente das consequências – arbitrária e mistificadoramente confundido com crescimento como tal – sem mudar radicalmente o nosso modo de reprodução social metabólico através da adopção de práticas responsáveis e racionais muito necessárias da única economia viável, [16] orientada pela necessidade humana, ao invés do alienante, desumanizante e degradante lucro.

É aqui que o obstáculo esmagador das interdeterminações em causa própria do capital devem ser confrontadas, não importa quão difícil isto deva ser sob as condições prevalecentes. Pois a absolutamente necessária adopção e o apropriado desenvolvimento futuro da única economia viável é inconcebível sem a transformação radical da própria ordem socioeconómica e política estabelecida.

Gordon Brown recentemente exprimiu o seu desgosto acerca do "capitalismo sem peias", em nome da totalmente não especificada "regulação". Você pode recordar que Gorbachev, também, queria uma espécie de capitalismo regulado, sob o nome de "socialismo de mercado", e também deve saber o que lhe aconteceu e à sua grotesca fantasia. Por outro lado, na expressão do primeiro-ministro conservador britânico Edward Heath, há muito tempo atrás, o mesmo pecado do "capitalismo sem restrições" era "a face inaceitável do capitalismo". E apesar disso, o "capitalismo sem peias", apesar da sua "face inaceitável", permaneceu todas estas décadas não só "aceitável" como – no decorrer do seu novo desenvolvimento – tornou-se muito pior. Pois o fundamento causal dos nossos problemas cada vez mais sérios não é a "face inaceitável do capitalismo não regulamentado" mas a sua substância destrutiva. É aquela substância opressora que deve resistir e anular todos os esforços destinados a restringir o sistema do capital mesmo minimamente – como, na verdade, realmente se verificou ao efectuar isso também na forma de metamorfose, na Grã-Bretanha, do [partido] social-democrata "Old Labour" no neoliberal "New Labour". Consequentemente, a fantasia periodicamente renovada de regular o capitalismo de um modo estruturalmente significativo só pode resultar numa tentativa de dar nós nos ventos.

Mas a última coisa de que hoje precisamos é de continuar a dar nós nos ventos, quando temos de enfrentar a gravidade da crise estrutural do capital, a qual exige a instituição de uma mudança sistémica radical. É revelador do carácter incorrigível do sistema do capital que mesmo num momento como este, quando a imensa grandeza da crise em desdobramento já não pode mais ser negada pelos mais devotos apologistas ex officio do sistema – uma crise descrita há poucos dias por nada menos que o vice-governador do Banco da Inglaterra como a maior crise económica em toda a história humana – e nada pode ser contemplado, para não dizer realmente feito, a fim de mudar os defeitos fundamentais de uma ordem reprodutiva societária cada vez mais destrutiva por parte daqueles que controlam as alavancas económicas e políticas da nossa sociedade.

Em contraste com a recente iluminação do seu próprio vice, o governador do Banco da Inglaterra, Mervyn King, não tinha quaisquer reservas acerca da saúde do acarinhado sistema capitalista, nem teve ele a mínima antecipação de uma crise a chegar quando louvou aos céus o livro de Martin Wolf, apologético do capital, com o seu auto-complacente e peremptoriamente assertivo título: Porque a globalização funciona. Ele considerou aquele livro "uma devastadora crítica intelectual dos oponentes da globalização" e uma "civilizada, sábia e optimista visão do nosso futuro económico e político". [17] Agora, contudo, todos são forçados a terem pelo menos alguma preocupação acerca da verdadeira natureza e das necessárias consequências destrutivas da dogmaticamente saudada globalização capitalista.

Naturalmente, a minha própria atitude para com o livro de Wolf foi muito diferente daquela de Mervyn King e outros que partilhavam os mesmos interesses. Comentei na altura da sua publicação que

    "o autor, que é o Comentador Chefe de Ciência Económica do Financial Times de Londres, esquece-se de colocar a questão realmente importante: Para quem ele funciona?, se é que funciona. Ele certamente funciona, por enquanto, e de forma alguma tão bem, para os decisores do capital transnacional, mas não para a esmagadora maioria da espécie humana que deve sofrer as consequências. E nenhuma quantidade da "integração jurisdicional" advogada pelo autor – isto é, em bom inglês, o controle directo mais apertado dos "demasiados estados" deplorados por um punhado de potências imperialistas, especialmente a maior delas – vai conseguir remediar a situação. A globalização capitalista na realidade não funciona e não pode funcionar. Pois ela não pode ultrapassar as contradições irreconciliáveis e os antagonismos manifestos da crise global estrutural do sistema. A própria globalização capitalista é a manifestação contraditória daquela crise, tentando subverter o relacionamento causa/efeito numa vã tentativa de curar alguns efeitos negativos por outros efeitos desejados que projecta, porque é estruturalmente incapaz de tratar das suas causas ". [18]

Neste sentido, as recentes tentativas de conter os sintomas da crise que se intensificam, pela cinicamente camuflada nacionalização de grandezas astronómicas da bancarrota capitalista, através dos recursos do estado ainda a serem inventados, só poderia sublinhar as determinações causais antagónicas profundamente enraizadas da destrutividade do sistema capitalista. Pois o que está fundamentalmente em causa hoje não é simplesmente uma crise financeira maciça mas o potencial de auto-destruição da humanidade neste momento do desenvolvimento histórico, tanto militarmente como através da destruição em curso da natureza.

Apesar da manipulação concertada de taxas de juro e das recentes cimeiras ocas dos países capitalistas dominantes, nada foi perduravelmente alcançado com o "lançamento de gigantescos blocos de dinheiro" no buraco sem fundo do "esmagado" mercado financeiro global. A "resposta global abrangente para o fosso da confiança", como o desejo projectado de The Economist e dos seus mestres, pertence ao mundo da (não tão pura) fantasia. Pois um dos maiores fracassos históricos do capital, como o há muito estabelecido modo de controle social metabólico, é a contínua predominância dos estados-nação potencialmente mais agressivos, e a impossibilidade de instituir o estado do sistema do capital como tal na base dos antagonismos estruturalmente arraigados do sistema do capital.

Imaginar que dentro da estrutura de tais determinações causais antagonistas possa ser encontrada uma solução harmoniosa permanente para o aprofundamento da crise estrutural de um sistema de produção e de trocas mais iníquo – o qual está agora empenhado activamente em produzir mesmo uma crise alimentar global, por cima de todas as suas outras contradições gritantes, incluindo a sempre mais difusa destruição da natureza –, sem mesmo tentar remediar suas miseráveis iniquidades, é a pior espécie de pensamento ilusório, beirando a irracionalidade total. Pois, auto-contraditoriamente, ele quer reter a ordem existente apesar das suas necessárias iniquidades explosivas e antagonismos. E a chamada "integração jurisdicional dos estados em demasia" sob uns poucos auto-indicados, ou um, como advogado por alguns apologistas do capital, pode apenas sugerir a – igualmente auto-contraditória – permanência da potencialmente suicida dominação imperialista global.

Eis porque Marx é mais relevante hoje do que alguma vez já o foi. Pois apenas uma mudança sistémica radical pode proporcionar a esperança historicamente sustentável e a solução para o futuro.
Notas
[1] Todas estas citações foram retiradas do mesmo editorial de The Economist, 11/Outubro/2008, p. 13.
[2] The Economist, 11 October 2008, special section, p. 3.
[3] Ibid.
[4] Ibid., p. 4.
[5] Ibid.
[6] Ibid., p. 6.
[7] Shii Kazuo in Japan Press Weekly, Special Issue, October 2008, p. 20.
[8] "Ford prepares for global revolution", by Andrew Lorenz and Jeff Randall. The Sunday Times, 27 March 1994, Section 3, p. 1.
[9] "A bail-out that passed. In the slipstream of Wall'street's woes, the Big Three land a huge subsidy." The Economist, October 4th, 2008, p. 82.
[10] Ibid., p. 83.
[11] A Lehman Brothers, um dos principais private merchant banks, tem um rácio de alavancagem de 30 para 1. Isso é bastante mau.
[12] "Fannie Mae and Freddie Mac: End of illusions" , The Economist, July 19-25, 2008, p. 84.
[13] "A brief family history: Toxic fudge" , The Economist, July 19-25, 2008, p. 84.
[14] "Fannie Mae and Freddie Mac: End of illusions", The Economist, July 19-25, 2008, p. 85.
[15] "The Present Crisis", quoted from Part IV. of Beyond Capital (published in London in 1995), pp.962-3. (In Spanish in Más allá del capital, Vadell Hermanos Editores , Caracas, 2001, pp. 1111-12.)
[16] Ver a este respeito: "Qualitative Growth in Utilization: The Only Viable Economy", Secção 9.5 do meu livro, The Challenge and Burden of Historical Time , Monthly Review Press, New York, 2008, pp. 272-93. (Publicado in Herramienta, Numbers 36 and 37.)
[17] Mervyn King's endorsement, on the back cover of Martin Wolf's book, Why Globalization Works , Yale University Press, 2004.
[18] In "Education - Beyond Capital", Opening Lecture delivered at the Fórum Mundial de Educação, Porto Alegre, July 28, 2004. In Spanish reprinted in La educación más allá del capital , Siglo Veintiuno Editores / Clacso Coediciones, Rio de Janeiro, 2008. Ver também o capítulo: "Why Capitalist Globalization Cannot Work?" no meu livro, The Challenge and Burden of Historical Time, Monthly Review Press, New York, 2008, pp. 380-398; Spanish edition: El desafío y la carga del tiempo histórico, Vadell Hermanos Editores / Clacso Coediciónes, Caracas, 2008, pp. 371-389.

[*] Palestra escrita para uma reunião em Conway Hall, Londres, a 21 de Outubro de 2008.   Os inter-títulos são da responsabilidade de resistir.info.

O original encontra-se em www.herramienta.com.ar/ e em http://mrzine.monthlyreview.org/meszaros041108.html .
Tradução de JF.

Este ensaio encontra-se em http://resistir.info/ .
07/Nov/08

terça-feira, 21 de outubro de 2008

As bobagens que dizem por aí...

Depois eu mando uma reflexão minha sobre a crise, por hora um copy & paste de um post do blog do Nassif, comentando artigo do Demetrio Magnoli...


Magnolli e os filhos de Marx



Demétrio Magnolli faz parte do grupo que, nos últimos tempos, decidiu atender à demanda da mídia por pensamento neocon. Bom analista de política internacional, chutou para cima as veleidades intelectuais e passou a recorrer a toda sorte de simplificações conceituais. Definiu um inimigo - a quase extinta raça dos "filhos de Marx" - e chutou para cima a sofisticação, porque guerra é guerra.

Seu artigo “Lehman Brothers, Marx & Sons” é demonstração cabal dessa pobreza retórica.

Quando o Lehman Brothers entrou em bancarrota, provocando a implosão de Wall Street, os filhos órfãos de Karl Marx começaram a disseminar uma narrativa ideológica da crise que é tão desonesta quanto reacionária. Essencialmente, eles dizem que o neoliberalismo faliu e que a causa da catástrofe é a desregulamentação do mercado financeiro. Neste mantra, convertido em senso comum, uma mentira factual fica protegida atrás da paliçada conceitual de uma fraude.

A não ser que exclua o presidente da França, da Alemanha, o presidente do Banco Central Europeu e a torcida do Flamengo dessa categoria, sua afirmação é uma tolice enfática.

O neoliberalismo não faliu porque não existe. A fraude conceitual ampara-se no ocultamento dos dados empíricos. Nos anos 20, tempos do liberalismo, os gastos públicos sociais nos EUA (pensões, educação, saúde e welfare) não alcançavam 5% do PIB. Depois, com o New Deal e os "30 anos gloriosos" do pós-guerra, criou-se o Estado de Bem-Estar e os gastos sociais cresceram até perto da linha de 20% do PIB. Segundo o teorema histórico que emoldura a noção de neoliberalismo, o Estado de Bem-Estar ruiu sob os golpes hayekianos de Ronald Reagan. Mas - surpresa! - os números contam outra história. A "era Reagan" não provocou contração dos gastos sociais, conseguindo apenas estabilizá-los temporariamente. Hoje, eles ultrapassam os 20% do PIB (veja o gráfico no blog http://www.terra.com.br/economia/blog/iconomia/index.htm, de Gilson Schwartz).

Provavelmente, Gilson preparou o gráfico para mostrar ao Magnolli que – ao contrário do que supõe o geógrafo – o Estado nunca deixou de cumprir seu papel com as políticas sociais. Aí o Magnolli resolveu utilizar o gráfico em proveito próprio, esqueceu que, no primeiro parágrafo, situava as críticas ao neoliberalismo na desregulamentação do mercado financeiro e tascou os gastos sociais no meio da história. A coerência dos argumentos não resistiu a dois parágrafos: é um recorde.

O Estado de Bem-Estar é um fruto da democracia de massas. O neoliberalismo só poderia existir com a restauração da democracia restrita dos tempos do liberalismo, quando o direito de voto era privilégio de uma minoria.

De onde tirou isso? O que tem a ver a democracia direta com a desregulamentação do mercado financeiro? Sua conclusão é que, do pós-guerra aos anos 70, quando havia mauior regulamentação financeira, não havia democracia? Uma asneira, à altura do público que pretende atacar: os semi-extintos "filhos de Marx”, personagens criados por ele.

Os filhos de Marx não entendem isso porque hostilizam o princípio democrático, que imaginam representar uma invenção "burguesa". Eis o motivo pelo qual suas análises econômicas se chocam com os dados empíricos.

Os “filhos de Marx” não fazem a crítica do neoliberalismo, porque, para eles, é apenas uma faceta a mais do capitalismo. A crítica é feita por Krugman, Roubini, aqui no Brasil por Delfim, Bresser, Nakano, Belluzzo.

Na hipótese de desabamento de um viaduto condenado por erros de engenharia, deve-se culpar a lei da gravidade? É algo assim que fazem os filhos de Marx quando atribuem o colapso financeiro a uma combinação de ganância com livre mercado.

O que dizer desse argumento? Que o inimigo criado para ser combatido é do mesmo nível do criador.

A referência à "ganância" nada diz sobre esta crise específica, pois o imperativo do lucro é um traço estrutural da modernidade capitalista, mas diz muito acerca de um pensamento econômico contaminado pelos dogmas do cristianismo medieval. Quanto à desregulamentação, ela só existe no mundo imaginário dos ideólogos.

Todo o sistema financeiro europeu está sendo estatizado devido ao tsunami. E o bravo caçador de fantasmas atribui a crítica a esse modelo aos “dogmas do cristianismo medieval”. Em seu artigo , Gilson diz: "Ora, um dos maiores defensores da ação governamental nos mercados foi John Maynard Keynes, que tinha alergia a marxismo e marxistas. Ele revolucionou a teoria econômica há 70 anos, justamente porque soube ir além do maniqueísmo Estado X Mercado".

O economista Steven Horwitz escreveu uma carta aberta a seus "amigos da esquerda" identificando as diversas regulamentações políticas que incentivaram o tsunami especulativo no mercado imobiliário (o link está no blog de Gilson Schwartz). Ele prova factualmente que o mercado no qual se armou a tragédia nada tem de liberal, articulando-se sobre uma teia de regras, emanadas do Executivo e do Congresso, que pavimentaram o caminho rumo à concessão de empréstimos cada vez mais arriscados. Fannie Mae e Freddie Mac são corporações hipotecárias tecnicamente privadas, mas patrocinadas pelo poder público, que operavam sob garantia de resgate estatal em caso de falência. As agências reguladoras autorizaram-nas, em 1995, a entrar no mercado de subprime e exigiram dos bancos privados um aumento dos empréstimos imobiliários para devedores com poucos recursos.

A "ganância" fez o resto, mas no ambiente de liquidez abundante, propício à especulação, gerado pela política monetária do banco central americano e pela política fiscal do governo Bush.

O que espalhou a crise pelo mundo inteiro foi o subprime, um produto financeiro criado em cima de hipotecas. Ele é a bomba criada pela desregulamentação Mas o ex-filho de Marx não veio para explicar, veio para confundir. Além disso, depois de amaldiçoar os tais “filhos de Marx” que atribuem a crise à ganância, o bravo articulista atribui à ganância a crise. E tome falta de lógica.

Para salvar sua narrativa ideológica sobre os mercados desregulamentados os filhos de Marx erguem um Muro de Berlim metodológico entre as esferas da economia e da política. O conservador Horwitz é mais honesto, evidenciando a presença ubíqua da "mão visível" do Estado no financiamento privado do mercado imobiliário americano. Mas a sua honestidade tem limites, definidos por uma perspectiva ideológica. A utopia inviável de Horwitz é um retorno à idade de ouro liberal e ele prefere criticar a "mão visível" democrata à republicana. Por esse motivo, menciona só de passagem a política econômica da "era Bush" e, sobretudo, não a vincula à guerra no Iraque.

Pela primeira vez na história, uma guerra de grandes proporções foi conduzida por um governo que não conclamou os cidadãos a fazerem sacrifícios, mas, explicitamente, a "irem às compras". A mistura tóxica de juros baixos e cortes de impostos com um déficit orçamentário crescente formou o pano de fundo da ciranda especulativa num mercado intensamente regulamentado. A implosão das altas finanças nos EUA, contagiando os mercados internacionais e anunciando a recessão global, não é obra exclusiva do governo Bush, mas tem as digitais de uma "mão visível" disposta a tudo para assegurar apoio interno à política externa cruzadista dos neoconservadores. A análise econômica reacionária dos filhos de Marx oculta tudo isso.

Lá vem os “filhos de Marx” descendo a ladeira. É uma lógica tão tortuosa quanto a dos blogueiros de Veja.

Neoliberalismo é um signo que adquiriu diferentes significados desde o seu uso inicial, no fim do século 19. A partir das "revoluções" de Reagan e Margaret Thatcher, contudo, sua utilização se disseminou e seu significado deslizou rumo a um colapso. Depois da queda do Muro de Berlim, neoliberalismo sofreu um processo de redução fetichista, convertendo-se em senha de identificação coletiva de uma confraria dos derrotados - algo como um lenço de lapela pelo qual um nostálgico do "socialismo real" reconhece seus iguais. Não há problema nisso, com a condição de que a nostalgia de uma minoria não destrua a capacidade pública de decifrar o sentido das coisas.

Tecla sap, por favor! Pois a profundidade do autor não me permitiu decifrar o sentido das coisas, seja lá o que as coisas forem.

Marx podia estar fundamentalmente errado, mas nunca deixou de buscar as articulações entre economia e política. Seus órfãos, traindo-o, inventaram uma economia "neoliberal" desregulamentada e denunciam uma "contradição" fatal quando os governos "neoliberais" se preparam para estatizar o núcleo do sistema financeiro. Eles não percebem que um padrão de regulamentação está sendo substituído por outro. Nem que a "mão visível" da política está presente nos dois.

Transformar a maior crise desde 1929 em uma mera mudança de “padrão de regulamentação” é demais. Nem os “filhos de Marx” merecem tanta simplificação assim.

Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP. E-mail: demetrio.magnoli@terra.com.br





enviada por Luis Nassif

sábado, 18 de outubro de 2008

Outra campanha! Nem Paes, nem Gabeira!

Pelos dados do TRE no primeiro turno para prefeito do Rio de 2008 nada menos que 1.299.518 eleitores não votaram em nenhum candidato, as abstenções e os votos nulos e brancos somaram 30,66% do total de eleitores0, mais do que os 1.049.019 do Eduardo Paes que ficou em primeiro lugar.

Como há mensagens circulando com boas razões para não votar nem em um nem em outro (reproduzo ao final deste breve texto). Ambos são candidatos que representam apenas a elite do Rio de Janeiro, candidatos claros da burguesia e sem compromisso com o povo do Rio de Janeiro, apesar das maquiagens.

Sinceramente, não acredito que nenhum dos dois mereça ser prefeito do Rio, nem o camaleão do Paes que cada hora é uma coisa nem o hipócrita do Gabeira. A direita permanecerá com a prefeitura do Rio porque inevitavelmente um dos dois será eleito, mas não com a minha chancela.

Assim, após lerem os motivos que se seguem (e não foram elaborados por mim), convido vocês a uma outra campanha. Um dos caras vai ser eleito, mas vamos fazer com que ele simbolicamente não tenha legitimidade, vote nulo, branco ou simplesmente não vote. Vamos fazer dos que não querem nem Paes nem Gabeira a maioria do povo do Rio. E contestar com uma oposição cidadã (e legítima, pois seremos maioria) qualquer que seja o eleito.


Seguem os argumentos

15 RAZÕES PARA NÃO VOTAR NO GABEIRA

1- Gabeira é o candidato do César Maia, agora, no 2º turno, ou seja, mais um mandato desta praga do DEMo.

Mas vamos recapitular a sua história:

2- O Gabeira era do PV. Como suas votações vinham em constante declínio, percebendo que não seria fácil se eleger pelo PV, se bandeou para o PT, um fato no mínimo estranho porque no Congresso, ele sempre votou com a base aliada de FHC, com o bloco PSDB, Arena/PDS/PFL/DEMo. Por suas afinidades, deveria ter ido para um desses partidos com os quais tinha mais afinidade, porém o Lula estava em ascensão, portanto tiraria melhores proveitos no PT.

3- Nesta época, Gabeira não se preocupava com a corrupção, porque votou favoravelmente à reeleição de FHC, mesmo com as denúncias comprovadas por gravações, da compra de votos de parlamentares. Depois, questionado, disse que na época não se preocupava tanto com este problema, mas que depois achou que deveria dar a sua contribuição, como se, como representante do povo não fosse uma obrigação denunciar a corrupção.

4- Gabeira votou a favor da flexibilização da Lei do petróleo, que agora permite que grandes empresas multinacionais queiram meter a mão no nosso pré-sal, e mesmo diante de tantas denúncias da forma como FHC estava torrando as estatais brasileiras, votou com o governo, favorável à doação.

5- De bobo o Gabeira não tem nada, portanto ele sabia que para aparecer, tinha que puxar o saco da grande imprensa, e como ela SEMPRE foi contra o Lula, logo no início do novo governo, ele já começou a criticar, dizendo exatamente o que a imprensa queria ouvir, fazendo o jogo do ex-aliado arrependido, e então passou a ter grandes espaços no Jornal Nacional e outros programas.

6- Contra a vontade do governo, visando apenas prejudicá-lo, Gabeira, junto com a oposição, elegeu o Severino para presidir a Câmara. Após o resultado vitorioso da oposição ao Lula, entoou junto com eles o hino Nacional. Afirmava que iria moralizar a Câmara. Mas com o Severino? Será que ele ignorava a vida pregressa de seu colega? Difícil acreditar...

7- O Severino não correspondeu aos anseios golpistas daqueles que o elegeram, e aí então resolveram derrubá-lo. Infelizmente, o Congresso Nacional não tem por hábito punir seus membros por corrupção (exemplos não faltam), mas por razões políticas, e eclodiu o escândalo do presidente da Câmara, com retumbante destaque da mídia. Neste momento, a oposição, da qual Gabeira era membro atuante, ainda tentou responsabilizar o governo pela eleição do Severino, mas como se ele tinha sido eleito exatamente pelo voto deles? Quanta hipocrisia!!!

Quando o Severino já estava completamente desmoralizado, Gabeira chutou o cão morto, com direito a todos os holofotes que tanto preza, e que vem usando insistentemente em sua propaganda política.

"Ele fazia o discurso de um grupo restrito, o Posto 9 de Ipanema, era uma audiência muito pequena. Quando foi em cima do Severino, teve a atenção de todo o eleitorado brasileiro, estava falando para 100 milhões de pessoas", diz Ricardo Caldas, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB).

8- Fernando Gabeira, sub-relator da CPI dos sanguessugas (a que apurava a máfia de compras de ambulâncias superfaturadas), demonstrou não estar muito preocupado com a corrupção, quando ela incriminava membros aliados. O depoimento do Juiz Federal Julier Sebastião Rocha (MT) acusou o Senador Antero Paes de Barros (PSDB), de ter recebido recursos irregulares de João Arcanjo, condenado a 37 anos por crimes de lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, mas no relatório, Gabeira inocenta o senador. Pegou tão mal que uma semana depois, Gabeira se retrata em seu site, mas Antero já tinha se beneficiado. Pouco depois, Gabeira é capa da revista Veja, como guardião da ética na política brasileira. Mas que ética?

9- Quando o Gabeira, o Franklin e outros, seqüestraram o embaixador dos EUA no Brasil, Elbrick, além da troca de presos-políticos, exigiram que fosse divulgado um manifesto na imprensa, no qual denunciavam os horrores que rolavam nos porões da ditadura. Depois da anistia, quando voltaram os presos políticos do exílio, a imprensa atribuiu a autoria do texto ao Gabeira, até que muito tempo depois, decobriu-se que o texto era do Franklin. Quando perguntaram ao Gabeira por que ele não tinha desmentido, simplesmente disse que ninguém o havia perguntado.

10- Gabeira é o candidato da Globo e da Veja. Se lembrarmos que elas também apoiaram a ditadura, o ACM, o Collor, etc, conclui-se que o passado não lhes confere qualquer credibilidade em seus apoios políticos.

11- A propaganda da TV de Gabeira é enganosa. São citados inúmeros eventos, afirmando que, quando aconteceram, Gabeira estava lá. Pinochet derrubou Allende e inúmeras pessoas foram presas, torturadas e mortas. O golpe foi um retumbante sucesso, e se Gabeira estava lá, era porque tinha sido banido do Brasil, e não para impedir o golpe, como pretende fazer crer a propaganda. No caso do seqüestro do embaixador norte-americano, o Elbrick, segundo os demais participantes, o Gabeira teve uma atuação pífia. Alugou a casa que serviu de cativeiro do seqüestro, mas, desobedecendo a orientação dos líderes, comprou pizzas em local próximo ao cativeiro, facilitando aos militares a descoberta do local. Foi ainda responsabilizado por não cumprir a tarefa que lhe foi designada, de retirar o mimeógrafo de lá. Vale lembrar que um mimeógrafo naqueles tempos era tão incriminador quanto a posse de armas, uma vez que era o meio usado pela resistência à ditadura, para reproduzir e divulgar os seus informes.

Quando os crimes da ditadura foram julgados na Itália, a propaganda alardeia que Gabeira estava lá, fazendo parecer que ele estaria advogando em prol dos perseguidos pela ditadura. Mas Gabeira não é advogado. Estava lá como um simples espectador.

12- Se você tem horror ao crime organizado, saiba que foi Gabeira que ensinou aos criminosos comuns a prática de guerrilha, quando esteve preso na Ilha Grande, tirando proveito de obter a simpatia dos meliantes.

13- Gabeira votou favoravelmente à lei que atenua a punição dos latifundiários que mantêm empregados em regime degradante de semi-escravidão.

14- Mas para mim, o pior foi um episódio que EU VI: o Brasil conseguiu desenvolver uma tecnologia de enriquecimento de urânio muito melhor e mais eficiente do que a dos demais países. Aí então mandaram inspetores para fazer vistoria, naquela paranóia do "desenvolvimento de armas nucleares". Os técnicos brasileiros, cobertos de razão, não quiseram entregar o ouro, e deixaram à mostra a entrada e saída do urânio, cobrindo o segredo. Os inspetores tentaram forçar a barra querendo ver tudo, e a oposição convidou o ministro Celso Amorim, com a nítida intenção de desmoralizar o governo, que estaria fazendo tempestade num copo d'água, para uma sessão no Congresso, para explicar o grave erro que o governo brasileiro estaria cometendo. O Ministro Celso Amorim então afirmou que os técnicos brasileiros explicaram que o que era necessário inspecionar, estava à mostra, e que o que estava escondido era o processo que eles desenvolveram, totalmente desnecessário ao cumprimento da inspeção. País algum entrega a tecnologia que desenvolveu de graça, e que não via sentido do Brasil fazê-lo. Então o Gabeira diz: "Que besteira desse governo de criar problema internacional por causa de um segredinho. Que deixem ver tudo".

Em 1º lugar, não era o governo que fazia a exigência, mas os técnicos. Em 2º lugar, é assim? A gente tem que se sujeitar a tudo que os "países desenvolvidos" querem? O Plínio de Arruda Sampaio, ferrenho crítico do governo Lula, reconhece que a política externa está sendo conduzida com grande eficiência, trazendo maior soberania ao Brasil, perdida nos anos FHC.

Resumo da história, no embate entre os técnicos brasileiros e inspetores, nossos representantes saíram vitoriosos. Fácil é enganar os leigos, mas não os argumentos daqueles que conhecem verdadeiramente o assunto. Se insistissem, estariam reconhecendo que o objetivo era de fato espionar para roubar a tecnologia desenvolvida aqui, e tiveram que aceitar a forma de inspeção que o Brasil queria.

Vale dizer que o Brasil possui uma grande reserva de urânio, e que pode exportar o urânio enriquecido, trazendo divisas para o país. Neste dia, conheci um outro Gabeira: entreguista e subserviente às grandes potências.

Sonia Montenegro"

15- A seguir, um artigo de um jornalista sério, Mauricio Dias, publicada na revista Carta Capital:


SETE MOTIVOS PARA NÃO VOTAR EM EDUARDO PAES

1 - Ele vai aplicar a política de Segregação Social na áreas valorizadas.

Como sub-prefeito da Barra e Jacarepaguá e como Secretário de Meio Ambiente promoveu a perseguição e a remoção de Comunidades pobres para abrir caminho para a especulação imobiliária.

Exemplo Prático: Barra da Tijuca, orla da lagoa da Barra. Removeu a Comunidade oriunda de pescadores ( ele mesmo dirigiu um trator ) para fazer uma área de preservação ambiental. Resultado. Retirou os pobres e no local surgiu o Shopping Barra Point e a sede da Unimed. Seu lema devia ser: 'Preservar para as Elites'.

2 . Ele vai mudar o discurso quando alcançar o poder. Vai trair o eleitor.

Mudou de partido seis vezes. A última as vésperas da eleição. Traiu os amigos.

Exemplo prático: Em 14 anos de vida política é a sexta troca de partido. Em 1993, ainda sub prefeito da Barra da Tijuca, era filiado ao PV, em 1996 foi para o PFL onde se elegeu vereador e deputado federal, em 1999 se filiou ao PTB, em 2001 volta ao PFL, em 2003 vai para o PSDB, por onde se candidata a governador e agora, 2007, vai para o PMDB.


3. Ele é o candidato da especulação imobiliária.

Quem sabe por isso sua campanha já tem cinco vezes o custo de todas as demais campanhas?

Exemplo prático: No PMDB queria vender o quartel da PM do Leblon. Queria vender o parquinho da Cedae do Posto 6. Queria vender a delegacia do Leblon. E outras mais. A Prefeitura bloqueou tudo. Agora o que ele quer é acabar com as APACs e escancarar as portas à especulação imobiliária em toda a Zona Sul. Mas ele tem antecedentes. Aplicou o 'cone de sombras sobre as praias' e gerou uma estranha troca em São Conrado.

4. Ele apoia e é apoiado pelas milícias.

A identificação com os políticos ligados as milícias é flagrante.

Exemplo Prático : Disse, no RJ TV, que as milícias levaram a paz a segurança as Comunidades de Jacarepaguá. É só checar no YouTube. Por 'coincidência' todas as áreas de milicianos estão fechadas com ele. Na Favela do Gouveia, em Paciência, o centro social do vereador Jerônimo Guimarães Filho (Jerominho) montou tendas para oferecer serviços gratuitos como escovação de dentes e aplicação de flúor, verificação de pressão arterial, manicure e até emissão de carteira de identidade com funcionários cedidos pelo Detran. Segundo moradores, junto com as tendas para a prestação dos serviços, chegaram à favela cerca de cinqüenta homens em um caminhão. Eles colocavam placas de CARMINHA Jerominho e do candidato a prefeito EDUARDO PAES nas casas.

5. Ele discrimina e desdenha as minorias e os movimentos sociais.

Está sendo processado pelos índios por ofensa moral. Não compareceu a nenhuma convocação para debate com os Movimentos Sociais.

Exemplo Prático: Quando secretário de Esportes do Rio, Eduardo Paes, desdenhou das aspirações indígenas, quanto ao prédio do antigo museu do índio, ocupado pelos Tamoios, que querem ali estabelecer um Centro de Referência da Cultura Indígena. Prevendo ali um estacionamento disse: 'Gostaríamos muito de ter a área para que o terreno fosse agregado à área do Maracanã'. O Instituto Tamoio está na Justiça contra uma declaração ofensiva do secretário desqualificando o movimento. Veja no site do Tamoio.


6. É oportunista.

Posiciona-se sempre ao lado dos que, momentaneamente, estão em vantagem. Não respeita princípios éticos, acordos, nem linha de conduta. Não tem ideologia, nem coerência política.

Exemplo Prático : Perseguiu incansavelmente o Presidente Lula, o chamou de ladrão e Chefe de quadrilha na CPI dos Correios. Tudo em rede nacional de tv e nos jornais. Agora tenta pegar carona na popularidade do Presidente.


7. Ele usa a Máquina Pública para benefício eleitoreiro.

Ele é acusado de Improbidade Administrativa, compra de votos e obras públicas em praça fantasma. Além de gravar programa eleitoral dentro de uma UPA o que é proibido por lei.

Exemplo Prático: A juíza da 8ª Vara de Fazenda Pública, Alessandra Cristina Tufvesson Peixoto, mandou notificar Eduardo Paes. O MP descobriu que a licitação da Fundação Parques e Jardins, vinculada à Secretaria de Meio Ambiente, dizia que seriam realizadas 'obras de melhorias e tratamento paisagístico na praça situada na Avenida Marechal Rondon com Rua Nazário', na Zona Norte. Ao visitar o local, a perícia do MP constatou que não existe qualquer praça. As melhorias foram feitas, na verdade, dentro do Conjunto Bairro Novo, que tem uma das entradas pela Rua Nazário. A área é propriedade privada e tem guaritas para o controle de entrada e saída de pessoas e veículos. Para o MP, o trabalho visou a benefício eleitoral. Depoimento de uma testemunha e panfletos apreendidos pelos promotores indicam que Eduardo Paes e o servidor público Nelson Curvelano estiveram no condomínio e prometeram aos moradores que fariam melhorias na praça. Naquele ano, Paes foi candidato a deputado federal. Curvelano concorreu para deputado estadual, mas não foi eleito. O panfleto, com fotos e o número de campanha de Paes e Curvelano, dizia que 'as obras da quadra e da área de lazer estão sendo realizadas (...). Vamos juntos, agora no dia 6, eleger quem realmente se comprometeu e faz'. Segundo os promotores, 'eles (Paes e Curvelano) induziram os agentes públicos competentes para a prática de ato de improbidade e dele se beneficiaram indiretamente, com nítido propósito eleitoreiro'.


É um desses o Prefeito de que o Rio precisa?

terça-feira, 23 de setembro de 2008

No fim das contas sobra para...

... os trabalhadores, de cara temos uma resultado já evidente da crise do capitalismo enquanto US$700 bi são garantidos para a burguesia mundial se recompor da farra, os trabalhadores aposentados dos EUA se ferram (leia matéria abaixo do New York Times, original aqui)

E ainda há quem diga que não há contradição capital x trabalho...

Retirees Filling the Front Line in Market Fears

By JOHN LELAND and LOUIS UCHITELLE
Published: September 22, 2008


Older Americans with investments are among the hardest hit by the turmoil in the financial markets and have the least opportunity to recover.

As companies have switched from fixed pensions to 401(k) accounts, retirees risk losing big chunks of their wealth and income in a single day’s trading, as many have in the last month.

“There’s a terrified older population out there,” said Alicia H. Munnell, director of the Center for Retirement Research at Boston College. “If you’re 45 and the market goes down, it bothers you, but it comes back. But if you’re retired or about to retire, you might have to sell your assets before they have a chance to recover. And people don’t have the luxury of being in bonds because they don’t yield enough for how long we live.”

Today’s retirees have less money in savings, longer life expectancies and greater exposure to market risk than any retirees since World War II. Even before the last week of turmoil, 39 percent of retirees said they expected to outlive their savings, up from 29 percent in 2007, according to a survey by the Employee Benefit Research Institute, an industry-sponsored group in Washington.

“This really highlights the new world of retirement,” said Richard Johnson, a principal research associate at the Urban Institute in Washington. “It’s a much riskier world for retirees, because people don’t have defined-benefit plans. They have pots of money and they have to worry about making it last.”

Carol J. Emerson, 65, sees herself as particularly vulnerable. Her annual income of $50,000 comes almost entirely from dividends, and she says she is worried that as her stocks decline, some of those dividends will fall, too.

“If I were guaranteed that the dividend would remain unchanged, I could ignore that the underlying value of my stocks has eroded,” she said. “But that is not the way it works. If the value of the stocks doesn’t go up again, there are not a lot of companies that can keep on paying a 16 percent dividend.”

Nevertheless, Ms. Emerson decided to push ahead last week with the rebuilding of her sun porch in Ventura, Calif., not wanting to endure any longer the discomfort of life in a mobile home with a leaky and rusting porch.

“I don’t obsess about what is happening, but it is always in the back of my mind,” Ms. Emerson said, adding that she would cancel the $30,000 project if she lost faith that stocks would rebound in her lifetime.

“I can sustain the ups and downs, as long as the downs are followed by ups,” Ms. Emerson said, “but I cannot sustain a constant slow erosion. I am assuming, despite all the terrible news, that somehow things will get better.”

Older people with few assets, including the one-third of retirees who rely on Social Security for 90 percent or more of their income, may not suffer directly from the decline in the stock market, but they feel the pain of higher gas and food prices and reductions in volunteer services like Meals on Wheels, which have been curtailed because of fuel costs.

The collapse of the housing market has hit older homeowners. According to the Center for Retirement Research, Americans over age 63 pulled $300 billion out of their home equity through refinancing from 2001 to 2006, lowering their net worth.

Surveys by AARP, the Transamerica Center for Retirement Studies and the Employee Benefit Research Institute have found that more workers nearing retirement age are putting off their plans to retire, curtailing contributions to their 401(k) accounts and borrowing from the accounts to pay for living expenses, including credit card and mortgage debt.

After three decades of decline, a higher percentage of Americans older than 55 are now working than at any time since 1970, the Bureau of Labor Statistics reports. Some are working because they want to, but many because they need to.

The McKinsey Global Institute reported in June that the typical worker would have to work to age 70 to maintain his or her standard of living in retirement.

Mary O’Connell, 76, and her husband, S. F., 78, of St. Peters, Mo., retired without pensions and with meager benefits from Social Security, counting on income from four stocks. But the bulk of the stock was in Bank of America, whose stock has dropped by nearly a third since the start of the year, including 10 percent last week. “It’s been horrible,” Ms. O’Connell said.

“I can’t cash anything because the value has deteriorated so much that I would lose money. And even if I did I’d face capital gains tax that would wipe out what little bit I’d get.”

At the same time, she said, her “safe” investments — her certificates of deposit — have rolled over to lower interest rates, reducing a reliable stream of income.

Malcolm Gay and Ana Facio Contreras contributed reporting.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Lembranças do Tio Carlinhos...

E o velho Tio Carlinhos, o que diria ele sobre a crise atual? Recebi o texto abaixo por correio eletrônico e resolvi compartilhar convosco.


Karl Marx manda lembranças

CESAR BENJAMIN



O que vemos não é erro; mais uma vez, os Estados tentarão salvar o capitalismo da ação predatória dos capitalistas



AS ECONOMIAS modernas criaram um novo conceito de riqueza. Não se trata mais de dispor de valores de uso, mas de ampliar abstrações numéricas. Busca-se obter mais quantidade do mesmo, indefinidamente. A isso os economistas chamam 'comportamento racional'. Dizem coisas complicadas, pois a defesa de uma estupidez exige alguma sofisticação.

Quem refletiu mais profundamente sobre essa grande transformação foi Karl Marx. Em meados do século 19, ele destacou três tendências da sociedade que então desabrochava: (a) ela seria compelida a aumentar incessantemente a massa de mercadorias, fosse pela maior capacidade de produzi-las, fosse pela transformação de mais bens, materiais ou simbólicos, em mercadoria; no limite, tudo seria transformado em mercadoria; (b) ela seria compelida a ampliar o espaço geográfico inserido no circuito mercantil, de modo que mais riquezas e mais populações dele participassem; no limite, esse espaço seria todo o planeta; (c) ela seria compelida a inventar sempre novos bens e novas necessidades; como as 'necessidades do estômago' são poucas, esses novos bens e necessidades seriam, cada vez mais, bens e necessidades voltados à fantasia, que é ilimitada. Para aumentar a potência produtiva e expandir o espaço da acumulação, essa sociedade realizaria uma revolução técnica incessante. Para incluir o máximo de populações no processo mercantil, formaria um sistema-mundo. Para criar o homem portador daquelas novas necessidades em expansão, alteraria profundamente a cultura e as formas de sociabilidade. Nenhum obstáculo externo a deteria.

Havia, porém, obstáculos internos, que seriam, sucessivamente, superados e repostos. Pois, para valorizar-se, o capital precisa abandonar a sua forma preferencial, de riqueza abstrata, e passar pela produção, organizando o trabalho e encarnando-se transitoriamente em coisas e valores de uso. Só assim pode ressurgir ampliado, fechando o circuito. É um processo demorado e cheio de riscos. Muito melhor é acumular capital sem retirá-lo da condição de riqueza abstrata, fazendo o próprio dinheiro render mais dinheiro. Marx denominou D - D' essa forma de acumulação e viu que ela teria peso crescente. À medida que passasse a predominar, a instabilidade seria maior, pois a valorização sem trabalho é fictícia. E o potencial civilizatório do sistema começaria a esgotar-se: ao repudiar o trabalho e a atividade produtiva, ao afastar-se do mundo-da-vida, o impulso à acumulação não mais seria um agente organizador da sociedade.

Se não conseguisse se libertar dessa engrenagem, a humanidade correria sérios riscos, pois sua potência técnica estaria muito mais desenvolvida, mas desconectada de fins humanos. Dependendo de quais forças sociais predominassem, essa potência técnica expandida poderia ser colocada a serviço da civilização (abolindo-se os trabalhos cansativos, mecânicos e alienados, difundindo-se as atividades da cultura e do espírito) ou da barbárie (com o desemprego e a intensificação de conflitos). Maior o poder criativo, maior o poder destrutivo.

O que estamos vendo não é erro nem acidente. Ao vencer os adversários, o sistema pôde buscar a sua forma mais pura, mais plena e mais essencial, com ampla predominância da acumulação D - D'. Abandonou as mediações de que necessitava no período anterior, quando contestações, internas e externas, o amarravam. Libertou-se. Floresceu. Os resultados estão aí. Mais uma vez, os Estados tentarão salvar o capitalismo da ação predatória dos capitalistas. Karl Marx manda lembranças.

CESAR BENJAMIN, 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de 'Bom Combate' (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.