quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Ossétia da onde?

A Geórgia atacou a Ossétia do Sul e tentou atacar a Abcássia, a Rússia respondeu rapidamente. Sinceramente, quem já tinha ouvido falar da Ossétia do Sul?

Mas falando sério dois interessantes artigos sobre a questão do Fiori e do Maierovitch:

GUERRA E PAZ

JOSÉ LUÍS FIORI

“A guerra nunca deflagra subitamente: a sua extensão não é obra de um instante”
Carl Von Clausewitz, Da Guerra, Martins Fontes,
São Paulo 1979 [1832] p: 77
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Os fatos mais recentes, e importantes, são conhecidos. No mês de abril de 2008, a última reunião de cúpula da OTAN, na cidade de Bucareste, reconheceu a aspiração da Geórgia de participar da aliança militar liderada pelos EUA, apesar da resistência alemã, e da oposição explícita do governo russo. E no dia 11 de julho de 2008, aviões da Força Aérea Russa sobrevoaram o território da Ossitéia do Sul, na véspera da vista à Geórgia, da secretária de estado norte-americana Condollezza Rice, para inaugurar, no dia 15 de julho, à operação “Resposta Imediata 2008”: um exercício militar conjunto do exército norte-americano, com as tropas da Geórgia, Ucrânia, Armênia e Azerbaijão, realizado na Base Aérea de Vaziani, que havia pertencido à Força Aérea Russa, até 2001. Logo em seguida, no dia 8 de agosto de 2008, as Forças Armadas da Geórgia atacaram a província da Ossétia do Sul, e conquistaram sua capital, Tskhinvali. Não está claro por quê a Geórgia atacou a Ossétia do Sul, exatamente no dia da inauguração das Olimpíadas chinesas. Mas não há dúvida que a grande surpresa dos governos envolvidos nesta história, foi a rapidez, extensão e eficácia da resposta russa, que em poucas horas, cercou, dividiu e atacou - por terra, mar e ar - o território da Geórgia, numa demonstração contundente, de decisão política, organização militar, e poder de conquista. Tudo feito com tamanha rapidez e agilidade que deixou os governos “ocidentais”, perplexos, divididos e impotentes, obrigados a acompanhar os desdobramentos da ofensiva russa, hora a hora, através de fatos consumados, sem conseguir saber ou poder antecipar o seu objetivo final.

Logo depois da Segunda Guerra Mundial, Hans Morgenthau, pai da teoria política internacional norte-americana, formulou uma tese muito simples e clássica, sobre a origem das guerras. Segundo Morghentau: “a permanência do status de subordinação dos países derrotados numa guerra, pode facilmente produzir a vontade destes países desfazerem a derrota e jogarem por terra o novo status quo internacional criado pelos vitoriosos, retomando seu antigo lugar na hierarquia do poder mundial. Ou seja, a política imperialista dos países vitoriosos tende a provocar uma política imperialista igual e contrária da parte dos derrotados. E se o derrotado não tiver sido arruinado para sempre, ele quererá retomar os territórios que perdeu, e se possível, ganhar ainda mais do que perdeu, na última guerra”¹. Em 1991, depois do fim da Guerra Fria, não houve um Acordo de Paz, que estabelecesse as perdas da URSS, e que definisse claramente as regras da nova ordem mundial, imposta pelos vitoriosos, como havia acontecido no fim da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais. De fato, a URSS não foi atacada, seu exército não foi destruído e seus governantes não foram punidos, mas durante toda a década de 90, os EUA e a UE apoiaram a autonomia dos países da antiga zona de influencia soviética, e promoveram ativamente o desmembramento do território russo. Começando pela Letônia, Estônia e Lituania, e seguindo pela Ucrânia, a Bielorússia, os Bálcãs, o Cáucaso e os países da Ásia Central. Neste período, os EUA também lideraram a expansão da OTAN, na direção do leste, contra a opinião de alguns países europeus. E mais recentemente, os EUA e a UE apoiaram a independência do Kosovo, aceleraram a instalação do seu “escudo anti-mísseis”, na Europa Central, e estão armando e treinando as forças armadas da Ucrânia, da Geórgia e dos países da Ásia Central, sem levar em conta que a maior parte destes países pertenceu ao território russo, durante os últimos três séculos. Em 1890, o Império Russo, construídono século XVIII, por Pedro o Grande e Catarina II, tinha 22.400.000 Km2 e 130 milhões de habitantes, era o segundo maior império contíguo da história da humanidade, e era uma da cinco maiores potencias da Europa. No século XX, durante o período soviético, o território russo se manteve do mesmo tamanho, a população chegou a 300 milhões de habitantes, e a Rússia se transformou na segunda maior potencia militar e econômica do mundo. Pois bem, hoje a Rússia tem 17.075.200 km 2 e apenas 152 milhões de habitantes, ou seja, em apenas uma década, a década de 1990, a Rússia perdeu cerca de 5 .000.000 km2 , e cerca de 140 milhões de habitantes,

A maior parte dos analistas internacionais que se dedicam a prever o futuro se esquecem – em geral - que os grandes vitoriosos de 1991, não foram apenas os EUA, foram os EUA, a Alemanha e a China. Numa virada histórica onde só houve um grande derrotado, a URSS, cuja destruição trouxe de volta ao cenário internacional, uma Rússia mutilada e ressentida A Alemanha e a China ainda tomarão muitos anos para “digerir” os novos territórios e zonas de influencia que conquistaram, nas últimas décadas, na Europa Central e no Sudeste Asiático. Enquanto isto, o desaparecimento da União Soviética colocou a Rússia na condição de uma potencia derrotada, que perdeu um quarto do seu território, e metade de sua população, mas que ainda mantém de pé o seu armamento atômico, e o seu potencial militar e econômico, junto com uma decisão cada vez explícita “de desfazer a derrota, e jogar por terra o novo status quo internacional criado pelos vitoriosos (em 1991), retomando seu lugar na hierarquia do poder mundial”. Por isto, neste início do século XXI, a Rússia é um desafio e uma incógnita, para os dirigentes de Bruxelas e de Washington e para os comandantes militares da OTAN. Quando na verdade, o mistério não é tão grande, e se Hans Morghentau estiver com a razão, se trata de um segredo de Polichinelo: a Rússia foi a grande perdedora da década de 90, e ao contrário do que diz o senso comum, será a grande questionadora da nova ordem mundial, qualquer que ela seja, até que lhe devolvam - ou ela retome - o seu velho território, conquistado por Pedro o Grande e Catarina II. Por isso, a atual guerra na Geórgia não é uma guerra antiga, pelo contrário, é um anúncio do futuro.

¹. Morgenthau, H.J. (1993) [1948]. Politics Among Nations, The Struggle for Power and Peace, Mc Graw, New York, p:66


12/08/2008

Geórgia: presidente russo, a pedido do francês Sarkozy, concede trégua condicionada.



O presidente russo, Dimitri Medvedev, por instancias do francês Nicolas Sarkozy, ordenou um período de trégua e espera que o georgiano, Mikhail Saakashvili, aceite seis condições, ainda não reveladas. Sarkosy anunciou partida imediata a Tbilisi a fim de conversar com o presidente da Geórgia.

Para analistas europeus, o presidente da Geórgia meteu-se numa aventura temerária ao invadir a Ossétia e, para eles, não deve ter agido sem um sinal verde dos EUA.

A propósito, o ex-presidente Mikhail Gorbachev, já ganhador do Nobel da paz, sustenta que os EUA sabiam da pretensão de a Geórgia invadir a Ossétia do Sul.

Para Gorbachev, o governo Bush apoiou a ação militar georgiana de invadir a Ossétia do Sul e o governo russo reagiu de forma adequada: - “As ações da Rússia foram inteiramente adequadas, ao contrário se pode afirmar das reações do Ocidente”.

Segundo Gorbachev, “sem apoio dos EUA, Tbilisi (capital da Geórgia) não teria se arriscado a começar uma guerra na Ossétia do Sul”.

O certo é que o presidente da Geórgia, há alguns meses, vinha provocando a Rússia, que estabeleceu, de fato, um protetorado na Ossétia e na Abcazia. Nessa última região, tem até um uma linha imaginária de fronteira. E por incrível funciona um “posto de fronteira”, com georgianos a controlar a saída e líderes separatistas da Ossétia a autprizar, com apoio russo, a entrada, num território onde cerca de 90% dos membros da etnia ossétia adotaram a cidadania russa. Como se percebe, de fato, já existe uma desvinculação da Geórgia.

A aventura do presidente georgiano, com o trapalhão Bush em apoio, durou exatos seis dias. O governo russo reagiu como ao tempo dos antigos generais, ou seja, com rapidez e brutalidade.

A dupla Putin-Medvedev esperava a invasão na Ossétia e já contavam com um plano de reação e desmoralização do presidente Mikhail Saakashvili.

Para ter idéia, as tropas, de pronto, invadiram a Geórgia e controlaram Gori, Santrédia e Senaki, ou melhor , tomaram conta de todas as vias de acesso à Geórgia.

Com o cessar-fogo prometido por Medvedev, a Rússia, depois de receber de “bandeja” do presidente da Geórgia um motivo para intervir naquela região do Cáucaso, deixou claro três pontos:

1. funciona bem o sistema de protetorado, a conferir independência à Ossétia do Sul e à Abcasia. Aliás, ambas já prontas para uma unificação à Rússia: a Ossétia do Norte já integra o território russo.

2. deixa um aviso aos EUA e aos estados que se tornaram independentes da ex-URSS, no sentido de a Rússia estar pronta a recorrer à força bélica para defender os seus interesses.

3. continuará a influir na questão interna da Geórgia, que enfrenta três focos de separatismo: Ossétia do Sul, Abcasia e Adzaristão.

Pode-se concluir, também, que o presidente da Geórgia perdeu, ---apesar da posição estratégia do seu país e do trunfo do oleoduto BTC (Baku-Tbilisi-Ceyhan: duto que leva para o Mediterrâneo o petróleo do mar Cáspio, sem cortar a Rússia e o Irã) e do gasoduto Nabuco, em construção--, todas as chances de o seu país ingressar na NATO. Um país em conflito não cabe na geoestratégia estabelecida pela NATO.

PANO RÁPIDO. Além do efeito “boomerang suportado pela Geórgia em face da temerária aventura do seu presidente, ficou claro, no tabuleiro internacional, que a Rússia voltou a jogar xadrez, enquanto os norte-americanos continuam com as suas partidas de damas. Achar que se poderia invadir a Ossétia, com os jogos olímpicos a distrair atenções e Putin em Pequim, não passou de uma estratégia ridícula e, ao mesmo tempo, trágica em razão do grande número de mortes de civis.

--Wálter Fanganiello Maierovitch--