quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O monstro do Obama, do blog do Azenha...

Obama pariu um monstro

Atualizado em 17 de dezembro de 2009 às 19:07 | Publicado em 17 de dezembro de 2009 às 18:59

O sonho das companhias seguradoras

Abortem a reforma de saúde dos democratas

por DAVE LINDORFF*, no Counterpunch

Que seja dado crédito a Howard Dean. Ainda médico, o ex-governador de Vermont, ex-presidente do Partido Democrata e ex-candidato presidencial democrata pediu a membros progressistas do Congresso nas duas casas que se juntem a seus colegas republicanos para matar o que ele apropriadamente chama de "sonho das companhias seguradoras". 

Esses autodenominados progressistas do Partido Democrata, que alegam que a reforma do sistema de saúde ainda pode ser salva com a inclusão de uma "opção pública" falsa, cuidadosamente circunscrita e capada, que no máximo ofereceria cobertura ruim por um preço alto a um pequeno número de autônomos pobres, estão errados. Essa suposta tentativa de reformar o sistema de saúde -- o mais caro e menos eficaz do mundo desenvolvido -- é impossível de salvar.

[Nota do Viomundo: Originalmente, a opção pública deveria permitir que o governo federal dos Estados Unidos competisse com a iniciativa privada na oferta de planos de saúde. Seria a adoção, pelos Estados Unidos, de uma espécie de SUS]

O único lugar apropriado para a lei a essa altura é a lata do lixo.

O que poderia ser um momento transformador da política dos Estados Unidos -- o fim de décadas de um sistema de saúde corporativo e a criação de um sistema que garantisse a todos os estadunidenses cuidados de qualidade e financeiramente acessíveis como um direito básico da cidadania, da mesma forma que existe no Canadá, em todos os países da Europa, no Japão, em Taiwan, em Cuba e na maior parte do restante do mundo, esse momento foi desperdiçado.

Foi desperdiçado pelo presidente Obama, que não teve coragem de assumir o papel de liderança e deixou o assunto por conta do Congresso e que em seguida cedeu aos grandes jogadores do complexo médico-industrial e fez acordos secretos com todos eles -- médicos, companhias seguradores, companhias farmacêuticas e a indústria dos hospitais -- em troca de "apoio".

Foi desperdiçado por muitas lideranças do Congresso nas duas casas, especialmente por aqueles que se intitulam democratas Blue Dog, mas também pelos que se definem como "liberais", que aceitaram o dinheiro sujo dessas indústrias (os lobistas delas invadiram o Congresso no último ano, com quantias sem precedentes de contribuições de campanha), que transformaram a legislação em uma gigantesco presente para essas indústrias, produzindo uma lei que deixará os empregadores no papel de agentes do seguro de saúde (embora eles não paguem por isso, será responsabilidade dos empregados pagar), que exige que os que não tem seguro de saúde obrigatoriamente comprem planos, garantindo para a indústria um vasto novo mercado, especialmente de jovens saudáveis; uma lei que quase nada vai fazer para controlar os custos. 

Os médicos vão enriquecer com essa "reforma". As companhias seguradoras vão enriquecer muito mais com essa "reforma". As companhias farmacêuticas vão enriquecer com essa "reforma". Mas milhões de pessoas vão continuar sem acesso à saúde. Haverá dezenas de milhões que conseguirão acesso a planos de baixa qualidade ou, pateticamente,  lixo médico.

E o custo da saúde, tanto para indivíduos quanto para a sociedade como um todo, que já é o mais alto do mundo, vai continuar a crescer. Para piorar ainda mais, os impostos vão aumentar de forma dramática, cerca de 100 bilhões de dólares por ano. Para dar uma risadas extras, enquanto esses custos vão começar a atingir o público imediatamente, os "benefícios" da lei não começam antes de 2013, o que significa que um Partido Republicano renovado, depois de tirar Obama da Casa Branca e de acabar com a maioria democrata no Congresso em 2012, acabaria com o plano [antes que ele entrasse em vigor].

O sr. Dean está certo. É uma lei ruim. Mas não apenas. É moralmente ultrajante, politicamente desastrosa e economicamente perigosa. Move o país no caminho errado -- não no caminho do "socialismo" que a direita tem denunciado, mas em direção a um caminho corporativo custoso que será mais difícil ainda de reformar no futuro.

Há apenas uma esperança e essa é de que haja integrantes liberais nas duas casas do Congresso em número suficiente para reconhecer que não fazer nada é o melhor nesse caso e que em defesa de seus eleitores se neguem a dar apoio a essa monstruosidade legislativa.

O Health Insurance Enrichment Act of 2009 deve ser morto no útero congressista antes de emergir como o monstro que se tornou.

A única coisa positiva que posso ver nesse fracasso é que talvez o presidente Obama leve um bofete de seus apoiadores mais ardentes no que ele disse ser seu objetivo legislativo número um, que ele e seus meio-assessores "brilhantes" caiam na real e assumam que é preciso dar uma guinada de 180 graus no caminho que adotaram para tentar governar.

O mais provável, no entanto, é que essa derrota será o começo do fim do governo de Obama, que agora se revelou sem princípios, incapaz de liderança e envolvido pelos interesses corporativos mais cínicos e egoístas.

*Dave Lindorff  é jornalista e colunista na Filadélfia

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Andrade, o “orfeu das pranchetas”

Do Blog do Nassif:

Por Divagante

Nassif,

Remeto abaixo link de um maravilhoso texto em homenagem ao "Orfeu das Pranchetas": Andrade, que poderá se consagrar o primeiro técnico negro campeão brasileiro.

O ORFEU DAS PRANCHETAS

Fabrício Carpinejar

O Campeonato Brasileiro de 2009 escreve o derradeiro capítulo do livro "O Negro no Futebol Brasileiro", de Mário Filho, clássico de 1947 do irmão de Nelson Rodrigues.

O palco do épico curiosamente será o Maracanã neste domingo (6/12), no duelo entre Flamengo e Grêmio. No Maracanã, justo no estádio batizado de Mário Filho, o nome do escritor. Uma coincidência emocionante.

O protagonista é o mineiro Jorge Luís Andrade da Silva, o Andrade, ex-jogador do Mengo da geração vitoriosa dos anos 80, que formou uma das armações mais compactas e habilidosas do Brasil, ao lado de Zico e Adílio.

Andrade poderá ser o primeiro técnico negro campeão brasileiro. Foram raros, foram poucos os que regeram a casamata do estádio. Ele põe fim ao apartheid da última hierarquia do esporte. Até o exército foi mais justo antes.

Não há negros no comando dos nossos principais times. Existem preparadores físicos, assistentes, dirigentes. Mas nunca existiu um negro mandando numa grande esquadra, organizando taticamente o elenco, dando a palavra final sobre a escalação. É como se ele pudesse chefiar com a bola nos pés, não fora do campo. Como se o negro fosse um operário, vetado como engenheiro, proibido como arquiteto das emoções das arquibancadas. Como se relegasse ao negro o papel de ator, não permitindo seu desempenho como cineasta, barrando a função autoral e a inteligência operística.

Mesmo depois de Leônidas, Zizinho, Domingos da Guia, Didi, Garrincha e Pelé, o negro era um tabu como treinador dos maiores clubes. E pensar que a mudança demorou a acontecer nas planilhas. Dentro de campo, estava resolvida na década de 50. Segundo Mário Filho, o futebol passou por três grandes fases: 1900/1910 (elitização), 1910/1930 (exclusão de negros; Vasco é o primeiro time a adotá-los e lutar contra a discriminação) e 1930-1950 (ascensão social dos negros e liberdade racial).

Está caindo o último bastião do racismo no país. Acabaram as restrições.

Andrade é o Orfeu das pranchetas. Realizou uma revolução no vestiário, uma revolução de abrigo, só comparável à grandeza heroica de um Pelé fardado. Desde 2004, espera sua chance de efetivação no Flamengo. Já salvou o time da degola como interino, já foi suplente diante das demissões de Celso Roth, Joel Santana e Ricardo Gomes. Durante cinco anos, engoliu sapos, recompôs diplomaticamente suas frustrações e expectativas, aceitou passivamente os interesses das bolsas de valores. O folclore conta que Cuca o colocava para completar a barreira nos treinos, durante a cobrança de faltas.

Andrade é o principal personagem. Não será Petkovic ou Adriano. É ele. Com seu temperamento discreto, abalou a onipotência dos supertécnicos como Luxemburgo e Muricy, mostrando que altos salários não significam sucesso. É o gracioso urubu no meio das garças à beira do gramado. Abre passagem a uma nova geração de estrategistas das categorias de base. Indica que os responsáveis pela entressafra alcançam fartas colheitas. Não briga com a imprensa, não grita mais do que o normal, não arma segredos de Estado, não se escandaliza com as críticas. Difere do tom casmurro e embirrado de parte dos seus colegas e da histeria autoritária das estrelas de terno e gravata. Não é paranóico, não se vê perseguido e injustiçado nas coletivas. Tem samba no sangue, uma alegria mansa, um amor antigo pelas redes. É resolvido o suficiente para suportar qualquer pressão. Escuta mais do que fala. Porta-se com a audição de um juiz, longe da tradicional oratória de um promotor. Não é por acaso que faz acupuntura nos ouvidos.

Ao assumir o comando em julho, Andrade retirou o rubro-negro de baixo da tabela, conseguiu um aproveitamento de 72,5% em 17 jogos.

Mário Filho deve encontrar agora uma posição confortável no túmulo. Graças a Andrade, lavamos definitivamente o pó-de-arroz da pele.

sábado, 14 de novembro de 2009

Nygaard, via Blog do Azenha: "Ameaça iraniana”? Onde?

"Ameaça iraniana"? Onde?

Disponível em http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/ameaca-iraniana-onde/

Atualizado e Publicado em 13 de novembro de 2009 às 12:05

 por Jeff Nygaard, Counterpunch

 O real significado da atual histeria sobre as armas nucleares iranianas está quase completamente ocultado sob a propaganda oficial. O melhor primeiro passo no esforço para escapar das versões de propaganda é considerar os países que já têm armas nucleares; o segundo é analisar o mapa do Sudeste da Ásia.

 Oito nações no mundo conhecido possuem armas nucleares. Todas são próximas do Irã, seja literalmente próximas ou próximas em sentido imperial. Cinco delas – China, França, Rússia, Reino Unido e EUA – são signatárias, oficialmente, do Tratado de Não-proliferação de Armas Nucleares [ing. Nuclear Nonproliferation Treaty, NPT], descrito como "principal marco do regime global de não-proliferação". Três estados – Índia, Israel e Paquistão – também têm armas nucleares, mas não são signatárias do Tratado de Não-proliferação. E Israel "não admite nem nega ter armas nucleares", segundo a Associação de Controle de Armas [ing. Arms Control Association], mas todo mundo sabe que Israel tem arm as nucleares; só não se sabe se são 200 ou 300 ou mais.

Consideremos então nosso mapa do Irã. Imagine-se um cidadão iraniano que olha à volta, para saber de que lado precaver-se contra alguma ameaça – nuclear ou outra. O que veem os cidadãos iranianos?

Imediatamente a oeste do Irã, está o Iraque, efetivamente sob controle dos EUA ("próximo", em sentido imperial, é isso). As atividades secretas dos EUA orientadas para desestabilizar outros países muito frequentemente usam como base de operação as embaixadas norte-americanas; e os EUA construíram no Iraque "as maiores e mais caras instalações de todos os tempos para sua embaixada", segundo o Christian Science Monitor. Segundo o New York Times de 9/10, "Os norte-americanos esperam que, na próxima primavera já estarão operando no Iraque a partir de seis super bases e 13 bases menores."

Imediatamente a leste do Irã, estão Afeganistão e Paquistão. O Paquistão é dos principais aliados dos EUA, embora sempre errático; e tem seu próprio arsenal nuclear, sem qualquer regulação ou supervisão. Do mesmo modo que o Iraque a leste, o Afeganistão também é base das atividades imperiais dos EUA, mesmo que ainda não esteja sob total controle dos norte-americanos. Enquanto o governo Obama discute oficialmente o que fazer, "A CIA está deslocando para o Afeganistão equipes de agentes, espiões, analistas e pessoal paramilitar, parte de um amplo movimento de 'avanço' dos serviços de inteligência, que converterá a base instalada naquela região em uma das maiores de toda a história da agência", segundo declarações de funcionários." – Isso se leu no Los Angeles Times de 20/9 passado.

Vê-se claramente que a embaixada que terá "as maiores e mais caras instalações de todos os tempos" está instalada exatamente a oeste do Irã; e que "uma das maiores bases de toda a história da CIA" também é vizinha do Irã, a leste. Evidentemente, aí estão todos os meios para executar as repetidas ameaças que os EUA têm feito ao Irã. Os EUA não se cansam de dizer "que todas as alternativas estão sendo analisadas", palavreado que corresponde, no código da guerra, a bem clara ameaça de ataque militar.  Não bastassem essas ameaças, o único Estado nuclear do Oriente Médio – Israel – também jamais se acanha de ameaçar o Irã. Manchete incansavelmente repetida, por exemplo nos programas noticiosos da CBS, dizia essa semana que "Israel provoc a os EUA para que ataquem o Irã."  Dia 5/7, a Associated Press noticiou que "o vice-presidente Joe Biden assinalou que o governo Obama não criará obstáculos se Israel decidir atacar as instalações nucleares do Irã."

Além dos países que mantêm sob ocupação, os EUA têm outras instalações de interesse militar, praticamente à volta do Irã. Não só no Iraque e no Afeganistão, mas também na Turquia, outro país que faz fronteiras com o Irã. Várias grandes bases militares dos EUA (cerca de meia dúzia, no mínimo) existem também na Arábia Saudita, na outra margem do Golfo Persa e nos Emirados Árabes Unidos – a cerca de 160-300km de distância do Irã. Outra vez, podem-se medir as distâncias no mapa. 

E não se pode esquecer de incluir nesse contexto a gigantesca base dos EUA no Oceano Índico, na ilha de Diego Garcia, base à qual John Pike, da GlobalSecurity.org, refere-se como "a mais importante unidade militar dos EUA". Essa base, usada como campo secreto de prisão e tortura, e como base de lançamento de ações terroristas contra o Iraque e o Afeganistão, leva o estranho nome de "Campo Justiça" [ing. Camp Justice]. O território do Irã pode ser rapidamente alcançado pelos bombardeiros e mísseis dos EUA estacionados em "Campo Justiça".

O mundo às avessas

No mundo imperial, detenções ilegais e tortura são consideradas 'justiça'. E muitos outros valores são também completamente invertidos, quando se trata de 'noticiar' os movimentos pelos quais o 'império' norte-americano se mantém.

Dia 28/9, o Irã anunciou que testara alguns mísseis; e que "os mísseis iranianos podem alcançar qualquer alvo, em qualquer local de onde parta qualquer ameaça contra o Irã." Matéria da Associated Press sobre esses testes levava a seguinte manchete: "Testes de mísseis iranianos fazem aumentar as preocupações." As "preocupações" teriam aumentado, segundo a AP, porque "várias bases militares dos EUA no Oriente Médio" [passavam a ficar] "ao alcance dos mísseis iranianos".

Nesse mundo às avessas, defender-se passou a ser agressão, porque quem se defenda 'cria preocupações' para os agressores.  Basta pensar um pouco:

A principal superpotência mundial mantém bases militares em todo o planeta (são mais de 700!), inclusive nos dois países atualmente sob ocupação dos EUA. Essa Superpotência possui cerca de 10.000 ogivas nucleares; continua a ser o único país do planeta que, até hoje, detonou armas atômicas em cidades populosas, matando e mutilando milhões; e é ainda a mesma Superpotência que, em 1953, derrubou o governo democraticamente eleito no Irã. 

Localizado entre os dois países atualmente sob ocupação dos EUA, e cercado por todos os lados por bases militares norte-americanas, o Irã está, isso sim, lutando incansavelmente para conquistar capacidade técnica para defender-se contra os ataques da superpotência cujas instalações militares já praticamente cercaram seu território. E é o Irã que se defende – não a sangrenta história de ocupação e violência dos EUA em todo o mundo (e naquela região) – que "faz aumentar as preocupações" da Associated Press! O Irã não desencadeou nenhuma guerra na história moderna – como bem observou o professor Juan Cole. De fato, as preocupações "aumentam", porque está crescendo a capacidade de defesa de um Estado que os EUA ainda não conseguiram subordinar.

E aquele padrão 'midiático' repete-se incansavelmente. Por exemplo, em matéria divulgada pela agência UPI, dia 25/7. O lead dizia: "Irã bombardeará instalações nucleares de Israel, se Israel atacar o Irã, disse sábado o líder da Guarda Revolucionária Iraniana." Lead normal e acurado. Mas lá estava, em letras garrafais, a manchete aterrorizante: "General iraniano ameaça instalações nucleares israelenses."

O Irã sabe bem que a mais recente vítima de ataques militares e ocupação pelos EUA é o Iraque, nação com baixa capacidade de defesa; ao mesmo tempo, a Coreia do Norte, que já testou vários mísseis nucleares e tem reconhecida capacidade nuclear, continua sem ser atacada militarmente.

Irã irracional? Parece que não.

Desde 1979, o Irã tem sido apresentado aos cidadãos norte-americano como inimigo dos EUA; em meses recentes, abundam notícias sobre "a ameaça iraniana". Mas o Irã foi um dos principais aliados dos EUA, antes de 1979.  Para R.K. Ramazani, professor emérito da Universidade de Virginia, "até a Revolução Iraniana, os EUA, de fato, confiaram cegamente que o Irã faria as vezes de "guardião" da região do Golfo. Evidentemente, nada há de inerentemente 'anti-EUA' no Irã."

Se o Irã é hoje uma ameaça aos EUA – e tudo que o governo dos EUA diz e faz indica que, sim, os EUA veem o Irã como uma ameaça – qual, então, seria a natureza dessa ameaça? Serão, mesmo, as armas nucleares? Parece-me pouco provável, por várias razões, algumas das quais discuto adiante.

 O prof. Subhash Kapila, especialista do South Asia Analysis Group, publicou artigo, em 2006, no qual diz claramente que "com armas nucleares ou sem elas, o Irã jamais terá meios para oferecer resistência efetiva contra o poderio bélico dos EUA" – ideia que se confirma facilmente, se se consideram as informações acima, sobre bases militares dos EUA na Região.

Kapila diz também que "O principal impulso estratégico que modela a percepção de que o Irã implicaria algum tipo de ameaça aos EUA é a emergência do Irã como potência regional na Região do Golfo – com vários efeitos sobre os interesses nacionais dos EUA na mesma região."

Gregory Aftandilian, assessor do Congresso para política exterior, acrescentou à discussão um aspecto que raramente se ouve considerado nos EUA: "o Irã não é estúpido a ponto de atacar Israel. (...) É Estado que tem milhares de anos, uma longa história. Teerã não pratica diplomacia de suicídio."

John Negroponte, em depoimento na Comissão de Inteligência do Senado, quando era diretor do Serviço Nacional de Inteligência, em 2006, foi mais diretamente ao ponto. Para ele, "o poder militar convencional do Irã é considerado uma ameaça aos interesses dos EUA. O Irã está ampliando sua habilidade para proteger o próprio poder militar; nessa medida, ameaça a eficácia das operações dos EUA na Região – potencialmente intimidando aliados regionais de cuja solidariedade depende a eficácia das políticas norte-americanas –, e fazendo aumentar os custos da presença dos EUA e de seus aliados na Região.

"Teerã também continua a apoiar vários grupos terroristas, por considerar que esse apoio é crítico para a proteção do regime, porque aqueles grupos opõem-se a EUA e Israel, contribuem para conter ataques israelenses e norte-americanos, enfraquecem Israel e aumentam a influência do Irã na Região, por efeito da intimidação. O Hizbóllah libanês, principal aliado do Irã dentre os grupos terroristas – embora focado numa agenda nacional libanesa, e apoiando uma rede de terroristas palestinos –, mantém vasta rede mundial de contatos e é capaz de organizar ataques contra os interesses dos EUA, se sentir que seu parceiro iraniano esteja sob ameaça. 

Vale observar que, nesses discursos, "a ameaça iraniana" assume duas formas. Uma, a capacidade para contrariar "interesses dos EUA". A outra, a competência para conter "ataques dos EUA e de Israel", vale dizer, "competência [do Irã] para se autodefender".

Outro fato que torna ainda mais inverossímil que os estrategistas norte-americanos estejam realmente preocupados com bombas nucleares iranianas é a evidência de que os líderes religiosos já impuseram, há anos, proibição total de armas atômicas. Em declaração do governo iraniano à Agência Internacional de Energia Atômica, em 10/8/2005, lê-se: "O líder da República Islâmica do Irã, Aiatolá Ali Khamenei emitiu Fatwa que proíbe a produção, armazenamento e uso de armas nucleares; nos termos dessa Fatwa, o Irã jamais terá armas atômicas." Não há como duvidar da eficácia dessa Fatwa, se se acredita no que dizem os jornais – que Khamenei é o líder supr emo e real poder no Irã (embora o presidente Ahmedinejad ocupe todas as manchetes).

Nada, de fato, faz muito sentido: os mais irados disseminadores do medo ante a 'ameaça' iraniana baseiam sua propaganda, em parte, num alegado fanatismo religioso das lideranças iranianas. Mas uma Fatwa de Khamenei, nesse caso, não seria prova suficiente de que não há qualquer ameaça das 'armas nucleares iranianas': para dois pesos, duas medidas? 

Resumidamente, se pode dizer que:

1.  Não há qualquer evidência de que o Irã esteja realmente produzindo armas nucleares;

2.  Se o Irã planejasse produzir armas nucleares, nada haveria de irracional ou 'fanático' nessa ideia, dada a gravidade das ameaças que realmente cercam o país e contra as quais é racional que o Irã procure defender-se. E ainda que a máxima irracionalidade esteja nas próprias armas nucleares, sempre haverá mais bombas atômicas irracionais em Israel e nos EUA, do que no Irã; e

3. Se o Irã de fato estiver buscando construir armas nucleares e vier a ter sucesso, a probabilidade de que essas armas sejam usadas para fins ofensivos é praticamente igual a zero.

Se se aceitam as premissas acima, é preciso buscar outra causa, diferente da chamada "ameaça nuclear iraniana", para explicar a histeria anti-Irã que toma conta dos EUA.

O "jogo" – como dizem os geoestrategistas do 'império' norte-americano – consiste em defender o espaço privilegiado de um único poder regional. Só há lugar para um país-'líder', que modele os eventos na Região e, pelo menos, tenha poder para vetar ações intentadas por outros Estados. Os EUA querem reservar para eles mesmos esse espaço e esse posto – em parceria com seu Estado-cliente, Israel. A verdadeira "ameaça iraniana", portanto, advém de o Irã – aos olhos dos estrategistas dos EUA – ter ou parecer ter potencial para realmente ameaçar a hegemonia da dupla EUA-Israel na Região.

O bizarro mundo que, para os norte-americanos 'informados' pela mídia, seria o Oriente Médio é mostrado como mundo às avessas, porque é indispensável manter ocultados os objetivos imperialistas dos EUA para toda aquela Região. Assim, é útil manter os cidadãos norte-americanos hipnotizados de medo ante uma "ameaça iraniana" que seria consequência de antiamericanismo fanático ou de fanatismo religioso. Ante tal inimigo, a única via razoável a considerar seria manter-se em guerra, sempre a postos para "atacar preventivamente" inimigo tão perigoso.

O trabalho do sistema de propaganda dos EUA para o Oriente Médio opera para criar uma percepção de que o mundo é local perigoso, cheio de armadilhas e ameaças. Por isso há "a ameaça iraniana" e a "ameaça terrorista", exatamente como, antes, houve a "ameaça comunista". O custo para manter o império norte-americano é muito alto, e só cidadãos aterrorizados aceitariam desperdiçar quase 700 bilhões de dólares num único ano, para manter exércitos de ocupação, como aconteceu em 2009. Esse número, já muito alto, sobe à estratosfera se se incluem os gastos com veteranos, com os programas especiais, com ajudas a países-parceiros nas guerras, com juros de dívidas de guerras passadas, e a lista é longa. O império é empreitada caríssima – e o medo, por isso, tem de ser correspondentemente imenso. 

É importante que os norte-americanos aprendamos a ver o mundo como o mundo é, não às avessas; que aprendamos a identificar corretamente as ameaças que crescem à nossa volta. O Irã, os iranianos e suas armas nucleares com certeza não estão incluídos nessa lista de ameaças e 'perigos' reais.

Jeff Nygaard é jornalista e ativista em Minneapolis, Minnesota. Publica um e-jornal de livre distribuição, Nygaard Notes 

Traduzido pelo coletivo Política para Todos

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Depois me vêm com essa babaquice de que o Lula mudou a politica econômica...

Excelente postagem do blog do Nassif.

http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/11/13/eles-quase-quebraram-o-pais/#more-38535

É importante destacar que eu não ignoro os avanços pontuais do atual governo, mas tambem não adianta tapar o sol com a peneira...

Da mesma forma que a burguesia criticava a experiência do socialismo real por ser um sistema de partido único, nenhuma democracia com apenas dois partidos relevantes pode ser considerada uma democracia efetiva.

Eles quase quebraram o país

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Henrique Meirelles, Mário Torós e Mário Mesquita, do Banco Central.

Belíssima matéria de Cristiano Romero e Alex Ribeiro, no Valor de hoje, sobre a corrida bancária na crise do ano passado. Some-se a matéria de ontem da Raquel Ballarin sobre o ataque especulativo de que foi alvo o Unibanco, no mesmo período (clique aqui para ler a matéria).

O curioso da matéria é que ela foi feita em cima de Mário Torós, personagem central da crise, com ele relatando como quase salvou o país. Irresponsáveis que quase jogam o país na maior crise da sua história.

Toda essa jogatina desenfreada, patrocinada pelo BC, foi relatada aqui no Blog.

Primeiro, o banco permitiu a apreciação desmedida do real.

Depois, para compensar os grandes exportadores, instituiu o "swap reverso", uma excrescência que permitia aos exportadores ganhos financeiros sempre que o real se apreciava. Ou seja, perdiam no operacional, mas ganhavam no financeiro. Com isso, o BC colocava todas as forças da economia – mercado financeiro e grandes empresas exportadoras, na mesma linha de apreciação da moeda. Quem bancava o ganho financeiro da especulação? O BC, é claro. Ou, melhor, o Tesouro. Ou melhor, todos os contribuintes.

No dia 3 de junho de 2008 – antes da crise, portanto – na coluna "O escândalo do swap reverso" alertei para essa leviandade:

O Ministério da Saúde está em uma luta insana para obter R$ 20 bilhões adicionais, que garantiriam a universalização do acesso a medicamentos no pais.

Do ano passado a maio deste ano, a mesa de operações do Banco Central, com apenas uma operação – o "swap reverso", operação no mercado de derivativos — deu um prejuízo de R$ 10 bilhões ao Tesouro, e um lucro correspondente ao sistema bancário.

(…) Suponha-se a situação inversa: uma crise cambial que provocasse uma enorme desvalorização do real. Pelas quantias envolvidas no "swap cambial" haveria o risco concreto de uma crise sistêmica, obrigando o BC a intervir no mercado para salvar as instituições. O BC está agente de criação de futuros riscos sistêmicos.

É bom que os operadores do BC se dêem conta. Estão atuando contra o Estado brasileiro, queimando dinheiro público. Essa operação tem contornos que permitem desde a abertura de uma CPI até de um inquérito por parte do Ministério Público.

O BC criou o epicentro desse jogo especulativo com derivativos. Induziu todos os grandes grupos nacionais não-financeiros a entrar nesse jogo. No rastro, grandes bancos estrangeiros trouxeram operações similares com derivativos internacionais. Criou-se uma jogatina desenfreada. Quando a crise explodiu, as incertezas quanto ao tamanho do rombo ameaçaram arrastar todos de roldão, não apenas bancos pequenos e médios, muito alavancados, mas até o Unibanco – conforma mostrou a matéria da Raquel Ballarin – apesar de sua posição sólida.

Mesmo nesse quadro de intenso tiroteio, esses irresponsáveis ainda seguraram os juros nas alturas. Aliás, a matéria conta que Henrique Meirelles quase foi demitido – o que absolve a Carta Capital da capa que fez dando conta de sua demissão.

O que era para dar margem a uma CPI, a um inquérito da Polícia Federal e do Ministério Público, vira uma auto-louvação na boca dos dois Mários – os mesmos que, em sucessivas entrevistas em off para o mesmo Valor – ameaçaram o governo com demissão coletiva em plena crise. Se não fosse a atuação rápida da Fazenda, a crise teria sido um terremoto, e não uma marola.

Mereciam duas medalhas: um inquérito do MPF por irresponsabilidade na condução da política monetária; e um troféu Burrice por virem, agora, chamar a atenção pública para sua irresponsabilidade.

Desde fins de 2007 vinha alertando aqui que a política cambial era o maior fator de risco do governo Lula. Espero que aprenda para 2010.


quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Do blog do Nassif: Um dia sem eletricidade

Um dia sem eletricidade

Por Francisco

http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/11/11/um-dia-sem-eletricidade/#more-38338

Eu gostei do apagão.

Foi maravilhoso olhar pela janela e perceber a completa ausência de aparelhos de televisão ligados num raio de muitos quilômetros.

Ninguém gritando gol, ninguém chorando o drama da novela que reconta a mesma história pela enésima vez. Ninguém olhando para seu eletrodoméstico favorito com a expectativa de quem aguarda o fato que mudará sua vida. Nenhum jornalístico televisivo anunciando em tom dramático notícias horrendas escolhidas a dedo para instilar o mais absoluto pavor nas mentes de todos. Ninguém fazendo da televisão uma companhia permanente, repetindo de tal forma o hábito a ponto de torná-lo um vício. Ninguém sacudindo a perna, esperando ansioso o intervalo comercial para fazer xixi.

Silêncio, que beleza. Potencializado pela introspecção, tão necessária mas tão rara, ocasionada pela escuridão.

Também havia pessoas conversando em tom de voz adequado e pais dialogando com seus filhos, algo que talvez não ocorresse desde… quando, mesmo?

A infância num lar onde a tv ocupava o centro das atenções foi dolorosa. Quantas vezes fui dormir tomado de terror pelas reportagens que acabara de ver no Fantástico. Fora os horrorosos filmes policiais, novelas e programas de auditório. Eu não tinha escolha.

Visitar uma amiga culta, certo dia, foi revelador. Pela primeira vez estava numa casa em cuja sala não havia aparelho de tv. Estranhei a princípio, mas notei que todos conversavam e todos se ouviam. Que diferença.

Deixei de assistir tv há mais de 15 anos e não me faz a menor falta. Quanta diversidade ao meu redor, quantas amizades, idéias a compartilhar, quanta natureza, cores, flores, carinho, boa música, gentileza, arte. Quanta alegria! Eu não via, embriagado que estava pela hipnose do eletrodoméstico.

Que esse tempo sem tv possa ter sido longo o bastante para permitir a outros a tomada de consciência de que existe, sim, vida fora da telinha, e muita.

Tenho para mim que o Criador, em sua infinita sutileza, causa periodicamente essas interrupções elétricas a fim de generosamente nos oferecer oportunidade de lembrar que não existimos para passar a vida diante da televisão. Vida não é o que aparece na tv nem o que acontece às pressas durante os comerciais. Viver é muito mais.

A vida sem televisão é incomparavelmente melhor.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A pegadinha do Gogó, da CPT


Roberto Malvezzi (Gogó), na página do MST (www.mst.org.br)
 
Cutrale e a moral do "sepulcro caiado"


Faço esse texto a pedido de muitos amigos. Para muitos, o meu texto "Cutrale devolve terras griladas" fez com que muita gente acreditasse na conversão da empresa. Então, dou as devidas explicações.
 
A ocupação da Cutrale pelo MST trouxe algumas perplexidades. Eu mesmo me senti constrangido quando o movimento foi acusado de depredar e, sobretudo, de furtar objetos pessoais de funcionários da empresa. Depois, o próprio Movimento lançou uma nota pedindo desculpas de seus erros, negou a depredação e, sobretudo, o furto de alguns objetos. Achei a carta do MST bonita e convincente. Só os magnânimos têm capacidade de reconhecer seus próprios erros. O Movimento teve.
 
Entretanto, vendo a televisão e jornais, fiquei indignado com a moral farisaica que jorrou sobre o caso. Deputados, setores da mídia, profissionais da mídia, até o presidente da República, desfilaram uma onda de ataques ao movimento, mas sempre ocultando o problema mais grave, isto é, o fato da empresa ocupar área pública grilada. Foi pretexto até para uma nova CPI sobre os Sem Terra.
 
E não é só a Cutrale. O Prof. Ariovaldo Umbelino estima que cerca de 200 milhões de hectares de terras públicas, 25% do território brasileiro, estão ocupados ilegalmente. Agora esse número deve diminuir, já que o governo Lula decidiu legalizar o grilo de 67 milhões de hectares só na Amazônia. Mas, não é só ali. O Pontal do Paranapanema e outras regiões do Brasil apresentam o mesmo problema.
 
Então, todas essas acusações contra o MST me pareceram coisa típica da moral farisaica, que "côa mosquito e engole camelo", ou dos sepulcros caídos, que "estão bonitos por fora e cheios de toda podridão por dentro". Lamentar 7 mil pés de laranja e não ver a cem mil famílias que estão nas estradas, ignorar o grilo das terras, ignorar o que está acontecendo com os Guaranis no Mato Grosso, com os atingidos pelos grandes projetos, é uma moral de hipócritas, que coam mosquito e engolem elefantes.
 
Decidi fazer um texto ironizando o caso. A grande mídia rodeou o texto, telefonou, mandou e-mails, mas não mordeu a isca. Não iria repercutir um texto como esse. Muitos amigos riram na hora, até elogiaram a peça de marketing ou disseram que era mais fácil acreditar em "saci, ET de Varginha, Papai Noel, etc.". Porém, talvez por ingenuidade, ou por querer ver algo de sério acontecer nesse país, muitos acreditaram, embora seja a essência do absurdo. Quem já viu grileiro devolver terras, respeitar sem terra, reconhecer os problemas históricos dos índios etc?
 
Então, afirmo que o texto "Cutrale devolve terras griladas" é uma ficção e não podia ser outra coisa, tamanho o absurdo do conteúdo.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Tática Socialista para 2.010, Por Plínio de Arruda Sampaio

Tática Socialista para 2.010

 

Plínio Arruda Sampaio

 

O debate sobre a tática eleitoral do PSOL na eleição de 2.010 está aberto, e várias posições já estão se delineando.

A inexistência de textos oficiais das lideranças e correntes que apóiam tais posições faz com que versões desencontradas a respeito delas circulem no partido. O risco disso é desviar o debate de seus eixos concretos, o que redunda evidentemente em prejuízo para o partido. Daí porque, convém abrir um debate sobre as mesmas, a fim de contribuir para uma discussão menos vaga sobre o tema de modo a  ensejar esclarecimentos, caso alguma versão descrita neste texto não seja fiel.

O presente texto consiste, portanto, em uma análise assim como em uma proposta sobre a Tática para 2.010 – tática esta que inclui necessariamente a questão do Programa da campanha eleitoral.

A tarefa dos partidos socialistas consiste em conscientizar as massas populares. Ela varia segundo as conjunturas do processo de luta de classes. Nos tempos de pré-insurreição ou de insurreição aberta há que prepará-las para confrontar diretamente o poder da burguesia. Nos tempos de refluxo, a tarefa principal passa a ser: fazer propaganda, agitar e organizar o povo de modo a avançar o socialismo. Nesse contexto, a participação em campanhas eleitorais assume importância.

Uma campanha eleitoral consta de: Programa, Discurso, Proselitismo. A função da tática é articular essas três ações, a fim de obter o efeito pedagógico conscientizador.

A formulação do plano tático tem inicio com a identificação do eixo central da conjuntura, que, sem dúvida, é hoje, a crise do capitalismo.

Esta crise é determinante para as ações tanto da burguesia quanto do campo popular. Trata-se de uma crise sistêmica do modo de produção capitalista, agravada, a partir de 2008, pela eclosão de uma crise econômica e financeira mundial.

No Brasil, a intelectualidade burguesa tem procurado minimizar os efeitos da crise econômica no Brasil, mediante malabarismos retóricos destinados a  convencer a população de que, a despeito da crise, a economia brasileira está crescendo e continuará a crescer. O objetivo desse discurso é acalmar governo, investidores, consumidores (governo, gaste; investidores, invistam; consumidores, consumam! Não poupem!) para convencê-los de que a situação está sob controle e não há problema de governabilidade e de insolvência geral à vista.

Ora, este não é o ponto do debate, porque não é nisto que consiste a crise, e sim na perda do que resta de autonomia decisória interna; no aumento crescente da dependência externa; no distanciamento tecnológico; na destruição acelerada dos recursos naturais, e, sobretudo nos seus devastadores efeitos em termos de destruição do tecido moral do Estado; de aprofundamento e perpetuação da pobreza; de descontrole da violência do Estado; de divisão e criminalização dos movimentos sociais; e no aumento da violência criminosa contra a população trabalhadora.

Tudo isto faz parte de um processo, hoje em adiantado estágio, de regressão neocolonial - processo este que não se limita ao econômico e ao social, mas destrói com igual virulência o sentimento de identidade nacional, o sentido da coesão social, a moral individual e pública.

A crise e o processo de regressão colonial impõem uma disciplina social ainda mais rígida do que atualmente sobre os pobres, os trabalhadores, os movimentos populares. O projeto de superação da "democracia restrita" da Aliança Democrática, que a Constituição de 1988 pretendeu implantar, foi completamente abandonado e o que se vê hoje é a recomposição de uma "democracia restrita" que funciona como simulacro de democracia. Combinando descarada manipulação ideológica com repressão direta aos movimentos que ameacem a ordem, como fica evidente na criminalização crescente do movimento popular, na violência policial (e tolerada) contra pobres e jovens, e no domínio do crime nas periferias e favelas. O processo de regressão colonial é o principal responsável pelo avanço da barbárie que acompanha há tantos anos a história do Brasil.

Nesse contexto, a eleição de 2.010 ganha uma importância crucial a despeito da aparente falta de dramaticidade do momento. É que essa eleição cumpre a função estratégica de impedir que haja um debate verdadeiro sobre a situação do país, a fim de não criar nenhum obstáculo ao necessário arrocho da disciplina, nos próximos anos. Por isso, o processo eleitoral de 2.010 torna-se concretamente o eixo central da conjuntura, tanto que, como é fácil perceber, já monopoliza a agenda política do país.

O consenso a respeito disto é essencial para a formulação de uma tática unificada para todos os partidos e movimentos sociais socialistas.

Para atingir seu objetivo, o "establishment" burguês preparou um "scritp" de campanha eleitoral devidamente ajustado à necessidade de impedir o debate real – deseja-se uma campanha centrada em elogios e ataques pessoais, na celebração das melhoras obtidas pelos governantes (apesar da crise), e em promessas de mais melhorias no futuro.

Se este é o objetivo do "establishment", a campanha dos socialistas tem de ter como prioridade o desmascaramento desse discurso "melhorista"; o apoio declarado às demandas concretas dos movimentos sociais; a denuncia das violências cometidas contra os pobres; a ampliação do horizonte de demandas populares. Aos que taxarem esta proposta de pouco revolucionária, pode-se responder: a revolução em cada momento do seu processo consiste na transgressão de imposições concretas dos dominantes. O caráter revolucionário da campanha eleitoral dos socialistas, em 2.010, é a transgressão do "script" de "campanha comportada" traçado pelo "establishment".

 

Com essas preliminares, já se pode expor a proposta de linha tática.

O primeiro passo consiste em propor a unificação de todos os partidos e movimentos sociais socialistas em torno de um objetivo principal e de três objetivos complementares.

O objetivo principal consiste em conscientizar a população a respeito da situação nacional. Conscientizar quer dizer: trazer à consciência; desalienar. Portanto, o objetivo principal dos socialistas nesta campanha é de natureza pedagógica – diz respeito às formas e métodos de transmitir conhecimentos.

Os objetivos complementares da campanha são: unificar os partidos e movimentos sociais de esquerda em torno dos objetivos da campanha (o que supõe a montagem de uma direção unitária para comandá-la); aumentar as bancadas socialistas nos legislativos; expandir territorialmente os núcleos socialistas.

 Por serem complementares, estes objetivos não podem dissociar-se do objetivo principal, e não podem igualmente deixar de merecer atenção e empenho da direção da campanha.

O Programa da Campanha articula as demandas dos movimentos populares autênticos. Estas demandas refletem as necessidades atuais de diversos segmentos da população, bem como o nível de consciência e de organização que os vários setores populares alcançaram ao longo de suas trajetórias.

 A conscientização, via Programa, consiste em mostrar, ao propô-las, a insuficiência das mesmas para resolver definitivamente as necessidades que as fizerem surgir e em apontar a solução real ainda que esta seja imediatamente inatingível. Desse esforço pedagógico surge o "gancho" para apresentar o socialismo, não de maneira doutrinarista, abstrata, mas como termo de uma trajetória que começa, aqui e já, nas lutas concretas de hoje. Não se trata, portanto, de inventar nada, nem de propor metas inatingíveis, abstratas, doutrinárias.

Por exemplo: o MST está reivindicando do governo Lula o cumprimento da promessa de assentar um determinado número de famílias sem terra, o que exige a redução do tamanho da propriedade privada ao limite de 1.000 hectares. O eventual (hoje altamente problemático) atendimento dessa demanda não resolverá cabalmente o problema da massa rural (desemprego, pobreza, alienação ao capital). Por isso, se o Programa e o Discurso se limitarem à demanda imediata, criarão, na massa, uma falsa expectativa: a de que atingidas as metas reivindicadas, o problema estará resolvido. Daí a necessidade de apontar a solução real e esta, como sabemos, não cabe no âmbito do capitalismo – é uma solução não capitalista, a qual, não sendo também uma solução cabal, aponta, contudo, para a solução definitiva no socialismo (transição do modo de produção de mercadorias para o de produção de valores de uso). Só assim o povo se inserirá em um processo dinâmico de transformação da sociedade.

Todo discurso tem um conteúdo e uma retórica. A retórica do discurso socialista tem de ser uma retórica de choque, a fim de despertar consciências anestesiadas. Propondo-se o que o "establishment" não quer nem ouvir falar com um discurso de denúncia lúcida, substantiva e firme, inclusive dos expedientes usados na eleição e explicitando a proposta de um socialismo renovado, esse discurso desnudará a inconsistência, a impostura, a manipulação de estereótipos de participação política estabelecidos por "marketeiros" do sistema.    

Programa e discurso não valerão nada se não forem acompanhados pela ação, ou seja, pelas atitudes e atividades dos candidatos, dirigentes e militantes socialistas. Portanto, é indispensável haver coerência entre o que se propõe e o que se diz com:  alianças eleitorais;  financiamento da campanha; conteúdo da propaganda; trabalho individual e coletivo de proselitismo.

O problema das alianças não é novo no socialismo. Os clássicos o examinaram exaustivamente e Mão Tse Tung chegou a escrever um livro para discuti-lo. Evidentemente para derrotar a burguesia, os socialistas precisam fazer alianças com outras forças políticas, independentemente até das posições que estas assumem em relação à luta do povo. Tudo depende da conjuntura concreta da luta socialista. Na campanha de 2.010, tendo em vista seu objetivo principal, é preciso aliar-se com forças decididas a ter como eixo de seu discurso, a denúncia do capitalismo.

Nesse contexto, a proposta de aliança com a candidatura da senadora Marina Silva, que alguns grupos vem fazendo, carece de qualquer sentido. É mesmo um completo contrasenso. Se não, vejamos:

            - desde a publicação, em 1975, do livro Limites do Crescimento - relatório da pesquisa patrocinada por centros de pesquisa filiados ao Club de Roma - o "establishment" capitalista internacional passou a preocupar-se em deter o ritmo devastador do meio ambiente do planeta, mediante medidas de restrição à produção capitalista. Surgiu então o "ecocapitalismo" - movimento que conseguiu alguns avanços importantes na defesa do ecosistema – todos sempre numa ótica "melhorista". A evolução do problema ambiental nestes 35 anos foi, sem dúvida, melhor do que seria, caso não tivesse surgido o ecocapitalismo, porém, o problema não foi resolvido, como tem insistido o líder atual do movimento, o ex-Vice presidente dos Estados Unidos, Al Gore.

Portanto, a aliança do ecocapitalismo com o ecosocialismo significa colocar no mesmo palanque uma proposta "melhorista" e uma proposta anti-capitalista voltada para o socialismo. É evidente a confusão que se produzirá na cabeça dos eleitores.

Toda "trajetória verde" da senadora Marina Silva é uma trajetória ecocapitalista – ou seja, a proposta de medidas técnicas de proteção do meio ambiente, sem questionamento da lógica da acumulação infinita de capital (inerente à lógica interna do modo de produção capitalista) como a fonte primeira do problema ambiental.[1]

Ao desfiliar-se do PT, Marina teve oportunidade para procurar uma legenda socialista, mas a senadora preferiu filiar-se ao Partido Verde, uma agremiação que faz parte da base do governo Lula e que integra vários governos estaduais de direita. Isso levanta a seguinte questão: como será o discurso dos candidatos proporcionais dos partidos socialistas nesse palanque? 

O argumento central da fórmula Marina/Socialistas é que, com ela na cabeça da chapa, os candidatos proporcionais terão a maior facilidade terão para fazer suas campanhas, dada a popularidade da senadora "verde". Já se expôs, em outro lugar deste texto, a importância de eleger deputados e senadores socialistas, mas uma coisa é a ajuda que a candidatura majoritária tem de prestar aos proporcionais da sua chapa, outra, completamente diferente, é transformar esse objetivo complementar em objetivo principal, pois, em tal caso, evidentemente se estará colocando o carro adiante dos bois.

- Talvez, o argumento mais forte contra essa aliança seja a conformidade dela com o "script" da campanha "comportada" que o "establishment" pretende impor aos partidos na próxima eleição.

 

Finalmente, cabe esclarecer bem o estilo da campanha socialista. O "script" de campanha eleitoral desejado pelo "establishment" burguês repousa no trinômio: ataques pessoais entre os candidatos; celebração das suas grandes realizações no passado; e promessas de melhorias para o futuro.

Obedecer esse "script" implica uma perda política para os partidos de esquerda; desobedecê-lo, contudo, também implica perdas. A essência do debate interno sobre a melhor tática a adotar diante desse dilema não pode ser ofuscada por discussões que impeçam essa clara avaliação, sob pena de desviar os partidos da sua função conscientizadora.[2]

 

A adoção de uma tática socialista para enfrentar a campanha eleitoral de 2.010 esbarra em alguns obstáculos que urge remover.

O primeiro deles é o reformismo: a ilusão de que a burguesia brasileira, mesmo não apoiando, aceitará um governo que promova reformas estruturais no capitalismo brasileiro a fim de dotá-lo de uma "face humana". Se não bastasse o exemplo do governo Goulart, o completo abandono dessas reformas pelo governo Lula mostra claramente que não há espaço algum para reformar estruturalmente o capitalismo brasileiro.

Mas até mesmo o reformismo parece ser forte demais para algumas correntes do movimento socialista. A proposta dessas correntes é "melhorista". Para elas, o avanço político consiste em reduzir o prejuízo: proposta melhor, nesse contexto, não quer dizer aquela que reivindica direitos, que abre novas perspectivas, mas aquela que representa um prejuízo menor do que aquele proposto pela direita. O melhorismo é a seqüela mais grave das derrotas sofridas pelo socialismo nos anos noventa.

Entretanto, pior do que o melhorismo é o obstáculo representado pelo oportunismo, que, na conjuntura concreta da luta socialista, pode assumir a aparência de uma necessidade. Com efeito, é extremamente importante que os partidos socialistas conservem e aumentem, pelo menos um pouco, suas representações no legislativo, a fim de que o povo possa ter alguma voz em um futuro que se apresenta muito ameaçador e, também para manter um espaço mínimo de presença da luta institucional. Por isso, não é de todo injustificada a preocupação em fazer uma campanha com um discurso propondo simples melhoras na situação presente; em estabelecer alianças amplas com as forças políticas; e em colocar na cabeça da chapa uma figura política que facilite o corpo a corpo dos candidatos proporcionais com os eleitores nas praças e ruas.  Contudo, pagar esse preço político para atingir esse objetivo complementar terá evidentemente o efeito de atrasar a conscientização da massa – tarefa primeira e não transigível dos socialistas.

Finalmente, a adoção da tática socialista choca-se com o obstáculo dos estereótipos da campanha eleitoral, construídos por anos de hegemonia da cultura política do "establishment" burguês. Submetendo-se a esses estereótipos, os candidatos socialistas esforçam-se em mimetizar –canhestra e inutilmente - as milionárias campanhas de seus concorrentes da direita.

Campanhas eleitorais nababescas são funcionais para articular o poder político como o poder econômico na ordem social burguesa. O absurdo montante de gastos dessas campanhas constitui importante moeda de troca, usada para compor (e recompor) periodicamente as relações entre o capital privado e as facções da burguesia (no comando e fora do comando na maquina administrativa do Estado). Para isto servem as contribuições das empresas aos candidatos porque permitem utilizar as prestações de contas dos partidos à Justiça Eleitoral como mecanismo seguro de "lavagem" do dinheiro acumulado no Caixa 2 das empresas.

 Esse modelo de campanha obviamente não funciona para os candidatos da esquerda. É indispensável organizar uma campanha que caiba dentro dos recursos que podem ser mobilizados na área popular e que utilize os meios de comunicação aos quais podemos ter acesso. Nessa linha, é importante considerar a possibilidade de um uso mais intensivo e racional das rádios e tvs comunitárias, e, especialmente da Internet, em razão da extrema velocidade dessa comunicação, do seu baixo custo, da dificuldade que tem o "establishment" de controlar as mensagens e, sobretudo, do enorme fascínio que exerce sobre a juventude.

Tudo indica que, assim como o comício de rua do período Populista substituiu o "banquete" enquanto principal meio de divulgação das candidaturas durante a República Velha, e como o radio e a TV reduziram muito a importância dos comícios no tempo do Populismo; a Internet, em razão dos seus superiores recursos de comunicação e interatividade e pelo baixo preço do seu uso, substituirá a carreata, a panfletagem e outros meios atuais de proselitismo eleitoral,.[3]

            Para avançar, é preciso ver além do que se vê.



 
[2] . Ao referir-se ao tipo de campanha como o que foi aqui delineado, alguns camaradas usam a expressão "anti-candidatura", o que tem levado a pensar que se está propondo uma campanha meramente doutrinarista, ideológica, desligada das preocupações concretas dos movimentos populares e da possibilidade de efetivação das medidas incluídas no Programa. Essa compreensão desconhece o significado verdadeiro da expressão anti-candidatura. A anti-candidatura não desconhece de modo algum a importância de obter o maior número de votos e de eleger o maior número possível de proporcionais, até porque o resultado eleitoral é importantíssimo para o desenvolvimento do trabalho político no período pos-eleição. Contudo, esses votos só representarão de fato um capital político, se forem o resultado de um discurso conscientizador  ainda que este possa não produzir os resultados eleitorais de um discurso manipulativo como o da direita. Não é difícil encontrar na trajetória dos partidos socialistas resultados eleitorais significativos que, entretanto, não se traduziram em saldos organizativos ou em aumento real da consciência dos eleitores, pelo desvio do discurso revolucionário. 
[3] O argumento de que a população rural e os moradores das periferias e favelas não dispõem de computadores nem estão ligadas na Internet caiu por terra diante dos resultados de pesquisa recente encomendada por canais de TV, a fim de explicar a razão do declínio de audiência dos programas do horário nobre. A pesquisa revelou que essa queda é igualmente proporcional ao aumento da freqüência de jovens nas lanhouses  e em cafés cibernéticos que proliferaram como cogumelos nas periferias de São Paulo, nestes últimos anos.