quinta-feira, 12 de junho de 2008

Por que estamos mobilizados - Via Campesina


Por que estamos mobilizados
Queremos produzir alimentos
Contra o agronegócio e em defesa da agricultura camponesa



O atual modelo econômico, baseado no agronegócio e no capital financeiro, quer transformar os alimentos, as sementes e todos os recursos naturais em mercadoria para atender os interesses, o lucro e a ganância das grandes empresas transnacionais.

Para isso, esses grupos econômicos se apropriam de terra, águas, minerais e biodiversidade, privatizando o que é de todos. Além disso, desmatam as florestas e deterioram os solos com a monocultura. Também aumentam a exploração dos trabalhadores, precarizam, retiram e desrespeitam os direitos trabalhistas, causam desemprego, pobreza e violência.

Dessa forma, o agronegócio promove a concentração da riqueza nas mãos dos mais ricos, especialmente banqueiros e empresas transnacionais, enquanto aumenta a desigualdade e a pobreza da população. É necessário e urgente combater essa lógica opressora e destrutiva, que apresentamos nos seguintes pontos:

I - Denunciamos

Denunciamos o atual modelo agrícola por que:

1. Favorece os interesses das empresas transnacionais, que compõem aliança com os latifundiários para controlar a nossa agricultura e obter grandes lucros na produção e comercialização dos alimentos e na venda das sementes e insumos agrícolas.

2. Prioriza o monocultivo em grandes extensões de terras, que afeta o meio ambiente, deteriora os solos e exigem o uso grandes quantidades venenos.

3. Estimula a monocultura de eucalipto e pínus, que destroem a biodiversidade, causam poluição ambiental, geram desemprego e promovem a desagregação social das comunidades camponesas, indígenas e quilombolas.

4. Incentiva a produção de etanol para exportação, promovendo a ampliação do plantio da monocultura da cana-de-açúcar e, conseqüentemente, causando a elevação dos preços dos alimentos e a concentração da propriedade da terra por empresas estrangeiras.

5. Difunde o uso das sementes transgênicas, que destroem a biodiversidade, eliminam as nossas sementes nativas, podem causar danos à saúde dos camponeses e consumidores de alimentos e transfere para as transnacionais o controle político e econômico das sementes.

6. Promove o desmatamento dos nossos biomas, de modo especial da floresta amazônica e do cerrado, e a destruição dos babaçuais, através da expansão da pecuária, soja, eucalipto e cana, juntamente como a exportação de madeiras e minérios.

II- Somos contra

As transnacionais, os latifundiários e um grupo de políticos, partidos e parlamentares que defendem interesses econômicos e querem aprovar projetos que vão piorar ainda mais esse quadro e, por isso:

1. Somos contra a lei de concessão das florestas públicas, que significa a privatização da biodiversidade, e o projeto de lei nº 6.424/05, que reduz a área da reserva legal da Amazônia de 80% para 50%, de autoria do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA).

2. Somos contra a Medida Provisória nº 422/08, que legaliza áreas de até 1500 hectares, invadidas por latifundiários na Amazônia, quando a Constituição determina apenas até 50 hectares.

3. Somos contra a Medida Provisória que desobriga o registro em carteira até três meses de trabalho. Condenamos a existência impunemente do trabalho escravo, da exploração do trabalho infantil e da falta de garantia aos direitos trabalhistas e previdenciários dos trabalhadores rurais.

4. Somos contra o Projeto de Emenda Constitucional nº 49/06, que propõe diminuir a extensão da faixa de fronteiras para beneficiar empresas transnacionais e grupos econômicos internacionais, de autoria do senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS) .

5. Somos contra o projeto de transposição do Rio São Francisco, que visa apenas beneficiar o hidronegócio e a produção para exportação e não atende as necessidades das populações que vivem na região do semi-árido nordestino.

6. Somos contra a privatização das águas, que passam a ser monopolizadas por empresas transnacionais como Nestlé, Coca-Cola e Suez.

7. Somos contra o atual modelo energético, baseado na construção de grandes hidrelétricas - principalmente na Amazônia -, que entrega o controle da energia às grandes corporações multinacionais e favorece as grandes empresas que mais consomem energia.

III - Defendemos

Estamos mobilizados e vamos lutar para mudar essa realidade. Por isso, queremos:

1. Construir um novo modelo agrícola, baseado na agricultura camponesa, na Reforma Agrária, na distribuição de renda e fixação das pessoas no meio rural.

2. Combater a concentração da propriedade da terra e de recursos naturais, fazendo uma ampla distribuição dos latifúndios, com a definição de um tamanho máximo para a propriedade da terra.

3. Garantir que a agricultura nacional seja controlada pelo povo brasileiro, assegurando a produção de alimentos, como uma questão de soberania popular e nacional, incentivando as agroindústrias cooperativadas e o cultivo de alimentos sadios.

4. Diversificar a produção agrícola, na forma de policulturas, respeitando o meio ambiente e usando técnicas de produção da agroecologia.

5. Preservar o meio ambiente, a biodiversidade e todas as fontes de água, com atenção especial ao Aqüífero Guarani, combatendo as causas do aquecimento global.

6. Desmatamento zero na Amazônia e nos demais biomas brasileiros, preservando a riquezas naturais e usando os recursos naturais de forma adequada e sustentável, em favor do povo. Defendemos o direito coletivo da exploração dos babaçuais.

7. Preservar, difundir, multiplicar e melhorar as sementes nativas, dos diferentes biomas, para garantir o seu acesso a todos os agricultores.

8. Lutar pela aprovação imediata da lei que determina expropriação de todas as propriedades com trabalho escravo e a instituição de pesadas multas aos latifundiários que não cumprem as leis trabalhistas e previdenciárias.

9. Exigir a implementação da política proposta pela Agência Nacional de Águas, que prevê obras e investimentos em cada município do semi-árido, necessárias para resolver o problema de água da população da região.

10. Impedir que a água se transforme em mercadoria e garantir seu gerenciamento como um bem público, acessível a toda a população.

11. Assegurar um novo modelo energético que garanta a soberania energética, que priorize o desenvolvimento de todos, utilizando o uso racional da energia hidráulica em pequenas usinas, com a produção de agrodiesel e álcool pelos pequenos agricultores e suas cooperativas.

12. O governo federal deve autorizar o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) a retomar a regularização, com maior celeridade, de todas as áreas pertencentes aos quilombolas.

13. Promover a demarcação imediata de todas as áreas indígenas e expulsão de todos os fazendeiros invasores, em especial da Raposa Serra do Sol e das áreas dos guarani no Mato Grosso do Sul.

O governo Lula precisa honrar os compromissos assumidos para a realização da Reforma Agrária, cumprindo seu programa político, assinado em julho de 2002, assentando imediatamente todas as famílias acampadas e construindo no mínimo 100 mil casas por ano no campo para evitar o êxodo rural. A nossa luta é pela construção de uma sociedade justa, com igualdade e democracia, onde a riqueza é repartida com todos e todas.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

E o Haiti...

Carta aberta ao Presidente do Brasil

BATAY OUVRIYE
Porto-Principe, HAITI Quarta-feira 28 de maio de 2008.

Senhor Presidente,

O senhor deve ter se dado conta que sua visita de hoje, 28 de maio do 2008, não recebeu as boas-vindas como aquela de 2006 quando, acompanhado da "seleção", enlouquecia meio-mundo, tratando de nos fazer pensar que a lua é um queijo. Na realidade, caíram as mascaras. Primeiro pelo rotundo fracasso da Minustah no que toca aos objetivos de maio de 2004, do mesmo Conselho de Segurança da ONU. Depois, porque ninguém mais acredita na "desinteressada ajuda" dessa missão. Nós, de imediato entendemos o que faz parte desta "benevolência". A vinda do filho do vice-presidente José Alencar, proprietário da mais importante indústria textil do Brasil, para localizar as zonas francas e verificar com seus próprios olhos nossa famosa "mão de obra barata", acabou por abrir-nos os olhos. Hoje, quando novamente capitalistas nos visitam, seguramente ávidos em apostar neste "ouro vivo", os objetivos vão ficando mais precisos.

Mas há mais. O povo inteiro viu o comportamento tanto dos altos responsáveis pela missão, cobrando um dinheirão - neste país tão desprovido de tudo -, como dos militares: a repressão nos bairros populares demonstra, tal qual a arrogância dos chefes no comando ou a atitude dos soldados nos tanques, com a metralhadora sempre apontada para nós, que, se aproveitando da situação de dominação instalada, acometem violações e outras ações que não tem nome. Ou o terror semeado durante os últimos acontecimentos. O fundo e a forma já não deixam mais nenhuma dúvida: trata-se obviamente de uma tutela armada, de uma ocupação, que a suposta "ajuda sul-sul" (que não é mais que uma solidariedade entre classes dominantes de país a país sob a direção das multinacionais de rapina) já não consegue mais enganar. Como tudo isto chegou tão longe? Como a mais extraordinária revolução do continente pôde dar a luz a tão profunda humilhação? Como governos resultantes das lutas dos trabalhadores e das mobilizações populares puderam chegar a jogar conscientemente o papel tão degradante de executor dos planos imperialistas?

Tratamos de explicar no texto "Toda a roupagem da mentira", que expõe a lógica de tal sentença, e os reais objetivos do projeto imperialista-burguês de exploração ilimitada e o papel que toca a você, recusa a sua "ajuda" tal como a concebe, repudia totalmente a presença das suas tropas armadas e termina preconizando que outra cooperação é possível". Uma cooperação que unificaria todos os operários, todos os trabalhadores e todos os povos, naturalmente, fundamentalmente irmãos; na agricultura, na medicina, na construção das suas cidades, no riso franco, nas danças e cantos libertários, na produção e no intercâmbio coletivo."

Assim, senhor presidente, considerando que a presença das forças de ocupação da ONU no Haiti constitui uma gigantesca bofetada no povo haitiano e em nossos ancestrais que lutaram para nos deixar um território livre de toda dominação estrangeira: em nome desta luta contra a dominação, em nome do direito a autodeterminação do povo haitiano, em nome do direito a vida de toda a gente morta nos bairros populares pelas balas criminosas dos seus soldados, mas também com o mesmo sentimento que o ajudou a declarar como não grata a quarta frota norte-americana nos portos do seu país; e, considerando a necessidade de estabelecer uma cooperação horizontal entre os povos do sul onde não existiria exploração, requeremos, Sr. Presidente, que proceda a imediata retirada de suas tropas armadas do nosso país.

Yannick ETIENNE - Batay Ouvriye
Camille CHALMERS - Plateforme Haitienne pour um Droit Alternatif
Marc-Arthur FILS-AIME - Institut Culturel Karl Leveque
Guy NUMA - Mouvman Demokratik Popile


PS. Queríamos entregar esta carta em suas próprias mãos, mas a Polícia Nacional, que está sob o comando dos seus militares, nos proibiu categoricamente toda e qualquer aproximação bem como qualquer livre manifestação de opinião.